Já não há Palmas Inácios.

sexta-feira, 17 de julho de 2009


Palma Inácio viveu os seus 87 anos de uma forma valente, destemida e corajosa.
Não foi homem com ambições de poder ou carreira.
A sua preocupação foi outra: a luta determinada pela Liberdade.
Pagou um preço elevado por essa determinação: esteve preso no Aljube e na cadeia da PIDE (das quais se conseguiu evadir) e também na prisão de Caxias onde recebeu as notícias do 25 de Abril, pelo qual lutou, e que lhe abriu as portas no dia seguinte.
A sua coragem, autoconfiança e capacidade de liderança levaram-no a protagonizar os episódios mais mediáticos que abalaram a ditadura: desviou um avião Super-Constellation que fazia o percurso Casablanca-Lisboa e lançou sobre Lisboa, Setúbal, Barreiro, Beja e Faro panfletos incitando à revolta contra o regime; planeou e executou o assalto ao Banco da Figueira com o qual arrecadou 30 000 contos (uma quantia avultada para a época) destinada a financiar a LUAR (organização que visava o derrube do regime de Salazar e o alcançar da desejada Liberdade).
Não tomou estas iniciativas em seu interesse pessoal (por elas foi julgado e esteve preso). Levou a cabo estas acções para alcançar a Liberdade que nos beneficiou a todos.
Após o 25 de Abril de 1974, Palma Inácio não se lançou na caça ao “tacho”. Com os conhecimentos que tinha junto da classe política então emergente, bem poderia ter sido mais um desses políticos que por aí temos hoje enfarpeladinhos, bonitinhos, de cravo ao peito nas comemorações do 25 de Abril e a tratar de vida no resto do ano.
Não.
Palma Inácio não era desses.
Nasceu pobre e pobre morreu. Acabou os seus dias num lar em Lisboa com uma pensão a rondar o Salário Mínimo Nacional que nem chegava para pagar o Lar.
Se tivesse vivido uma vida interesseira e egoísta, Palma Inácio poderia ter morrido rico e ter estado sempre bem na vida.
Não. Preferiu afrontar a ditadura, ainda que isso lhe prejudicasse a carreira e a vida pessoal.
Nessa altura valiam os princípios e lutava-se por causas. Dava-se a vida pela causa.
É ai que reside a diferença entre homens como Palma Inácio e os jovens de hoje.
Os jovens de hoje são interesseiros e individualistas. Não afrontam nada se isso lhes puder por em causa a sua carreira. Preferem dizer Amén se isso lhes assegurar o seu futuro a ter que afrontar situações menos claras se tal for necessário para o bem comum.
Lançam-se nas juventudes partidárias à espera do almejado lugarzinho em qualquer instituição pública que lhes garanta o futuro. O seu. Não o nosso, de todos.
Por sua vez, o combate político deixou de se centrar na discussão de princípios e valores e passou a ser um pragmatismo táctico-eleitoralista, despejado de qualquer discussão ideológica, onde o objectivo é ocupar as cadeiras do poder.
O individualismo derrubou a solidariedade.
A corrupção venceu a honestidade.
Por isso estamos onde estamos.
Precisávamos agora de muitos como ele.
Obrigado Palma Inácio.

in PUBLICO, 17 de Julho de 2009, Miguel Salgueiro Meira

Palma Inácio não conhecia a palavra impossível

quinta-feira, 16 de julho de 2009



Morreu ontem aos 87 anos. Foi um herói da luta antifascista. Fundou a LUAR. A sua pensão não era suficiente para pagar o lar

Tinha 25 anos quando se iniciou na luta armada contra o regime de Salazar, envolvendo-se na tentativa de golpe de Estado organizada pela Junta Militar de Libertação Nacional, em Abril de 1947. A sabotagem de aviões na Base Aérea de Sintra foi a primeira de muitas acções que tinham apenas um propósito: derrubar o Estado Novo e implantar a democracia.

Quem o conheceu de perto, nunca lhe vislumbrou ambições de poder ou de carreira. Mas viu nele uma preocupação genuína para lutar contra o regime, aliada a uma autoconfiança e a uma capacidade de liderança que lhe permitiram protagonizar alguns dos combates que fizeram tremer a ditadura, como o sequestro de um avião comercial da TAP, o assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz e a tentativa frustrada de ocupar a Covilhã. Pelo meio, conseguiu fugir de duas prisões, o Aljube e a cadeia da PIDE no Porto.
Resistente antifascista, fundador da LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária) e militante do PS, Hermínio da Palma Inácio, nascido em Ferragudo a 29 de Janeiro de 1922, morreu ontem, aos 87 anos, vítima de doença degenerativa. O corpo está em câmara-ardente na sede nacional do PS, no Largo do Rato, em Lisboa, partindo o cortejo fúnebre para o cemitério do Alto de São João hoje, às 17h45. A cremação será às 20h00.
Nos últimos anos, vivia num lar fundado por antigos alunos da Casa Pia, em Lisboa. A pensão que recebia pelos serviços prestados à democracia (próxima do salário mínimo nacional) não era suficiente para pagar as mensalidades, pelo que contava com as contribuições de alguns dos seus amigos. Fernando Pereira Marques, professor universitário e ex-deputado do PS, é um deles. Antigo membro da LUAR e um dos operacionais da tentativa da tomada da Covilhã em 68, explica que Palma Inácio "nunca se queixou" da forma como foi tratado após o 25 de Abril. "Por isso nasceu pobre e morreu pobre, discretamente", diz, referindo as dificuldades que, nos anos 90, alguns deputados socialistas enfrentaram para requerer a pensão. O parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi negativo.
Em causa estava a interpretação do assalto ao banco, realizado em 67 para financiar a criação da LUAR, como um crime comum e não como um crime político. A PGR teve o mesmo entendimento feito pelo Estado Novo, nota Pereira Marques, e contrariou as decisões dos tribunais franceses e espanhóis: após o assalto, que rendeu à LUAR cerca de 30 mil contos (de pouco lhe valeram, uma vez que algumas notas foram retiradas de circulação), Palma Inácio foi preso em Paris, mas as instâncias judiciais julgaram o crime como acto político e negaram a sua extradição. Dois anos depois, após a acção na Covilhã, foi novamente detido, em Madrid, e o tribunal considerou novamente o delito como sendo de natureza política.
Pirataria aérea
A tentativa de ocupação da Covilhã inspirou o romance A Mão Incendiada, de Carlos Loures, antigo membro do Partido Revolucionário do Proletariado, para quem Palma Inácio era alguém "que não conhecia a palavra impossível". Mas um dos seus feitos mais glorificados foi a operação Vagô, congeminada no Brasil por, entre outros oposicionistas, Humberto Delgado e Henrique Galvão: a 10 de Novembro de 1961, Palma Inácio dirigiu o desvio do avião Super Constellation que fazia o percurso Casablanca-Lisboa e lançou sobre a capital, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro panfletos que incitavam a uma revolta contra o regime.
A bordo desse avião estava Camilo Mortágua, que já participara no assalto ao paquete Santa Maria e que viria ainda a ser um dos operacionais na Figueira da Foz. "A nossa relação ultrapassou o simples companheirismo. Foi um exercício democrático de lealdade, mesmo quando havia conflito político", diz Mortágua ao PÚBLICO, apontando que "cada um tinha as suas ideias".
Camilo também pertenceu à LUAR, mas, após o 25 de Abril, os seus caminhos divergiram. "Eu tinha uma confiança incondicional nele. Sempre foi um homem corajoso, leal, gentil e delicado", afirma. Quando a doença de Palma Inácio se agravou, nos últimos dois anos, Mortágua não evitou o afastamento: "Queria guardar a imagem do meu companheiro, de cachimbo e sorridente, de homem vertical".

in PUBLICO, 15.07.2009, Maria José Oliveira

ANTERO DE QUENTAL

domingo, 5 de julho de 2009




Antero Tarquínio de Quental nasceu em Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel, nos Açores, em 18 de Abril de 1842.
Foi uma das figuras marcantes na poesia e na política na segunda metade do século XIX em Portugal.
Nascido no seio de uma família profundamente religiosa, estudou no Colégio do Pórtico, de Ponta Delgada, fundado e dirigido por António de Feliciano de Castilho.
Em 1858 ingressou na Universidade de Coimbra, onde conclui a licenciatura em em direito em 1864. Neste período conhece a obra de pensadores como Kant, Hegel ou Proudhon.
Em Coimbra funda a Sociedade do Raio, organização secreta de estudantes envolvida na contestação ao sistema político-social.
Corria o ano de 1861, quando Antero de Quental publicou os seus primeiros sonetos. Quatro anos depois, publicou as Odes Modernas, influenciadas pelo socialismo de Proudhon.
Nesse mesmo ano iniciou a Questão Coimbrã, em que Antero e outros poetas foram atacados por Antônio Feliciano de Castilho, por instigarem a revolução intelectual.
Em resposta, Antero publicou o opúsculo Bom Senso e Bom Gosto, onde critica fortemente António Feliciano de Castilho e a sua visão profundamente ultrapassada de arte: ao Ultra-Romantismo decadente, beato e estupidificante, Antero opunha o Realismo, a exposição da vida tal como ela era, das chagas da sociedade, da pobreza, da exploração. Antero defendia a poesia como forma de alertar as consciências para as desigualdades sociais e para os problemas da humanidade..
Após a formatura, e influenciado pelo exemplo de Proudhon resolve seguir a vida operária e exerce a actividade de tipógrafo, primeiro em Portugal, na Imprensa Nacional, e depois e, Paris, entre janeiro e fevereiro de 1867.
Em 1868 regressou a Lisboa, onde fundou, com antigos colegas da universidade, o Cenáculo, na Casa de Jaime Batalha Reis. Do Cenáculo fizeram parte, entre outros, Eça de Queirós, Abílio de Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão.
Foi um dos fundadores do Partido Socialista Português. Em 1869, fundou o jornal A República, com Oliveira Martins.
Em 1873 herdou uma quantia considerável de dinheiro que lhe permitiu viver dos rendimentos.
Em 1871 organiza, em Lisboa, as célebres Conferências do Casino, onde, de forma exemplar e inteligente, faz uma análise crítica das causas da decadência dos povos peninsulares
Em 1874, é acometido de uma tuberculose que o leva a estar parado cerca de um ano.
Em 1879 mudou-se para o Porto.
Em 1886 publicou aquela que é considerada pelos críticos como sua melhor obra poética: Sonetos Completos.
Em Setembro de 1881 foi, por razões de saúde, e a conselho do seu médico, viver em Vila do Conde, onde fixou residência até Maio de 1891, com pequenos intervalos nos Açores e em Lisboa. O período em Vila do Conde foi considerado por Antero o melhor período da sua vida.
Em 1886 foram publicados os Sonetos Completos, com prefácio de Oliveira Martins. Entre Março e Outubro de 1887, permaneceu nos Açores, voltando depois a Vila do Conde.
Em 1890, devido à reacção nacional contra o ultimato inglês, de 11 de Janeiro, aceitou presidir à Liga Patriótica do Norte.
Em Maio de 1891, regressa a Lisboa onde fica hospedado em casa da irmã, Ana de Quental.
Portador de Transtorno Bipolar, nesse momento o seu estado de depressão era permanente. Após um mês, em Junho de 1891, regressou a Ponta Delgada, suicidando-se no dia 11 de Setembro de 1891, com dois tiros na boca, disparados num banco de jardim.
Antero de Quental pertenceu à denominada "Geração de 70", que inclui Eça de Queiróz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Teófilo de Braga, Adolfo Coelho, Guerra Junqueiro, Gomes Leal e muitos outros, e que assumiu como um grande objectivo a reforma cultural e social de Portugal.

MSM