“O MECANISMO”

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A 22 de Dezembro de 2010, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a resolução 1966 - S/RES/1966 (2010)- através da qual decidiu criar aquilo a que chamou de “O Mecanismo”.
Trata-se, em termos genéricos, de um novo Tribunal Penal Internacional que visa lidar com as questões residuais que não conseguiram ainda ser investigadas e julgadas pelos Tribunais Penais Internacionais (ad hoc) para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda.
De facto, mais de 16 anos volvidos sobre a criação daqueles tribunais ad hoc, estão longe de estar concluídas a investigação, julgamento e punição de todos os responsáveis por crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes cometidos em violação do direito internacional humanitário naqueles territórios.
Na ausência de julgamentos penais internacionais posteriores a Nuremberga ditada pelo calculismo vivido durante a Guerra Fria, os tribunais penais ad hoc para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda foram criadores de uma jurisprudência essencial no âmbito da justiça penal internacional, que permitiu esclarecer e densificar o conteúdo dos tipos legais de crimes sob a sua alçada e acelerar o processo criador de uma jurisdição penal internacional permanente, com a criação do Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Processos como o caso Prosecutor vs. Akayesu ou o Prosecutor vs. Tadic são hoje marcos incontornáveis da jurisprudência penal internacional, estudados e citados na maioria da doutrina mundial.
Os esforços desenvolvidos por aqueles dois tribunais ad hoc foram enormes para conseguir a investigação e julgamento dos maiores criminosos de guerra.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, através das suas resoluções 1503 (2003) e 1534 (2004), havia já instado aqueles dois tribunais para que fizessem todos os possíveis por concluírem os trabalhos de investigação até ao final de 2004, concluírem os julgamentos em primeira instância até ao final de 2008 e completarem o seu trabalho no ano de 2010.
No entanto, 2010 está a chegar ao fim e esse trabalho não foi concluído.
O que falhou?
Da leitura do preâmbulo da resolução 1955 (2010) depreende-se que o número insuficiente de juízes e a falta de pessoal experiente nessa área contribuiu para o atraso na conclusão dos trabalhos dos tribunais.
Problemas na localização, detenção e transferência de criminosos dificultaram também a celeridade das investigações e julgamentos.
A falta de cooperação e assistência de alguns Estados com os tribunais ad hoc parece, assim, ter sido também um problema.
Nem toda a comunidade internacional parece ter estado interessada no julgamento e punição efectiva de criminosos de guerra.
Deste modo, a resolução agora aprovada pelo Conselho de Segurança estende o prazo limite de funcionamento dos tribunais ad hoc até 31 de Dezembro de 2014, altura em que deverão ser transferidas para o “International Residual Mechanism for Criminal Tribunals” (“O Mecanismo”) os processos pendentes.
A necessidade da criação deste “Mecanismo” resulta da ausência de jurisdição do Tribunal Penal Internacional sobre esses crimes, porquanto o mesmo apenas pode julgar crimes cometidos após a sua entrada em vigor e os crimes em questão terem sido todos praticados em momento anterior a essa data.
“O Mecanismo” – que terá duas secções (uma para o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia e outro para o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda) - terá jurisdição sobre todos os crimes que eram da competência dos tribunais ad hoc.
Contudo, ele terá também competência para julgar todas as pessoas que, conscientemente, tenham obstado à administração da justiça por aqueles tribunais ou pelo “Mecanismo”, bem como as testemunhas que, perante estes, prestem falso testemunho.
Parece, pois, que todos aqueles que têm cooperado com os criminosos de guerra do território da ex-Jugoslávia e do Ruanda têm razões para se começarem a preocupar.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado parcialmente na edição de 29 de Dezembro de 2010 do jornal "PUBLICO" ("Cartas à Directora"), pag. 30

Reconhecimento do genocídio arménio: entre a legalidade e a geopolítica.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A 4 de Março de 2010, a Comissão de Negócios Estrangeiros da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou uma resolução que qualificou como genocídio o extermínio de um milhão e meio de arménios durante a I Guerra Mundial.
Na altura, Hillary Clinton apressou-se a afirmar que o Governo Norte-Americano se opunha àquela resolução e tudo faria para impedir a sua aprovação no Senado.
A verdade é que, na passada terça-feira, a sessão plenária do Congresso Norte Americano deixou de fora da sua agenda a Resolução sobre o Reconhecimento do Genocídio Arménio (HR 252).
O que pode levar os Estados Unidos a negar-se a reconhecer, passados quase 100 anos, aquele que é considerado o primeiro genocídio do sec. XX?
Em 24 de Abril de 1915, uma ordem do Ministério do Interior do Governo dos chamados jovens turcos, aproveitando o contexto da I Guerra Mundial, deu inicio a uma política de extermínio da população arménia, por motivos nacionais e religiosos.
Para além de prisões e execuções sumárias, o extermínio dos arménios foi desenvolvido através da sujeição intencional destes a um conjunto de medidas e condições de vida desumanas destinadas a provocar a sua eliminação física, nomeadamente a sujeição a um plano de deportação em que a população arménia foi dizimada durante o percurso pela doença (tifo), pelo esgotamento e pelas privações, nomeadamente pelo racionamento de alimentos e água. Os sobreviventes que conseguiam chegar ao fim do percurso foram depois distribuídos por campos de concentração, onde, já doentes, sem cuidados médicos nem provisões, acabaram por morrer “naturalmente”.
A gravidade desses massacres foi tão grande que, a 28 de Maio de 1915 os governos da França, Grã-Bretanha e Rússia fizeram uma declaração conjunta onde se referiam aos mesmos como crimes contra a humanidade e a civilização.
Finda a guerra, foi assinado o tratado de Paz entre a Turquia e os Aliados – Tratado de Sèvres – que previa o julgamento dos responsáveis pelo massacre dos arménios.
No entanto, aquele tratado nunca foi ratificado pela Turquia, sendo posteriormente substituído pelo Tratado de Laussane (1923), que amnistiaria aqueles crimes.
Desse modo, os responsáveis turcos pelos massacres dos arménios nunca cumpriram qualquer pena pelo cometimento daqueles crimes.
O genocídio só foi reconhecido como um crime de direito internacional em 11 de Dezembro de 1946, através de uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas.
E só em 9 de Dezembro de 1948 foi aprovada a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.
À luz dessa convenção, e entre outros actos, é considerado genocídio a pratica de homicídios ou a submissão deliberada de um grupo a condições de existência que acarretem a sua destruição física quando tal for executado com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
Pelo que é evidente a qualificação como genocídio de massacres como os praticados pelos Turcos contra os arménios durante a I Guerra Mundial.
NO entanto, apesar de a Turquia ter assinado essa convenção, ela nunca reconheceu o genocídio arménio.
O argumento central é o de que inexistindo o crime de genocídio à data em que foram praticados os factos, não podem ser consideradas como tal as condutas criminosas perpetuadas pelo governo dos jovens turcos, por manifesta violação do princípio nulum crimen sine lege.
Certo é que, em Outubro de 1963, a Comissão dos Direitos do Homem da ONU reconheceu o genocídio arménio como o “primeiro genocídio do século”.
Em 18 de Junho de 1987 foi a vez de o Parlamento Europeu o reconhecer.
Países como a França ou o Canadá reconheceram já o genocídio arménio.
Era bom que o Congresso dos Estados Unidos da América se juntasse finalmente a esse reconhecimento mundial.
No entanto, o governo turco advertiu o Presidente Barack Obama de que a aprovação de uma resolução no Congresso que reconheça o massacre dos arménios na I Guerra Mundial como “genocídio” poderá prejudicar seriamente as relações entre a Turquia e os Estados Unidos.
O Congresso Norte Americano acaba de deixar de fora da sua agenda a discussão e aprovação daquela resolução.
Os interesses geoestratégicos dos Estados Unidos da América sobrepõem-se, assim, mais uma vez, ao reconhecimento dos direitos humanos.
E Barack Obama tem cada vez mais dificuldade em justificar o Prémio Nobel que lhe foi atribuído a crédito.



Miguel Salgueiro Meira

A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS DO HOMEM

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


Há 62 anos a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou e proclamou a Resolução 217A (III), da qual constava a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O flagelo vivido durante a guerra em muito contribuiu para a consciencialização dos povos do Mundo acerca da necessidade de reconhecer ao ser Humano direitos inalienáveis e garantir a sua protecção jurídica universal.
Como se pode ler no seu preâmbulo, o desconhecimento e desprezo dos direitos humanos conduziram a actos de barbárie que revoltaram a consciência da Humanidade.
Por isso mesmo, e com o objectivo de garantir a liberdade, a justiça e a paz no Mundo – como se haviam já comprometido aquando da assinatura da Carta de São Francisco – as Nações Unidas proclamaram a 10 de Dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, reconhecendo a todo e qualquer ser humano a sua igual dignidade e a garantia de um leque de direitos e liberdades fundamentais, fosse qual fosse a sua nacionalidade, raça, cor, sexo, língua, religião ou opinião política.
Essa declaração – que carecia de valor jurídico vinculativo – constituiu um momento de viragem no reconhecimento e garantia dos direitos humanos.
De facto, os direitos e liberdades fundamentais tinham começado por ser reconhecidos como meros postulados filosóficos ainda no advento do Iluminismo, com os contributos de Locke, Hobbes e Rosseau.
O reconhecimento e consagração escrita desses direitos e liberdades fundamentais apenas ganhariam corpo com a era do constitucionalismo, passando a constar das primeiras cartas de direitos e constituições que foram surgindo em diversos Estados a partir do sec. XVIII um pouco por todo o Mundo, fossem eles a Declaração dos Direitos da Virginia (1776) ou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), em França.
Essas constituições tiveram o mérito de reduzir a letra de lei o reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais aos seus cidadãos, direitos, esses, que eram, essencialmente, aquilo que hoje entendemos por direitos civis e políticos.
Contudo, o horror e carnificina das duas grandes Guerras Mundiais cedo fez perceber que uma protecção meramente estadual daqueles direitos não era suficiente para garantir que todo e qualquer ser humano – que não fosse cidadão de um Estado dotado de uma constituição onde tais direito fossem consagrados – visse protegida a sua dignidade humana e visse garantidos os seus direitos fundamentais.
O grande significado da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) não foi, por isso, o reconhecimento ex novo de um conjunto de direitos fundamentais inerentes ao ser humano.
O seu grande contributo foi o reconhecimento de que tais direitos eram universais e deveriam ser reconhecidos a todos os povos do Mundo, fosse qual fosse a sua nacionalidade ou modo de organização do seu estado (artº. 2º da DUDH).
Contudo, o carácter universal desses direitos não foi consensual logo em 1948.
Dos 56 Estados que na altura se faziam representar nas Nações Unidas, 8 abstiveram-se: URSS, Polónia, Ucrânia, Bielorrússia, Checoslováquia, Jugoslávia, África do Sul e Arábia Saudita.
Durante as seis décadas de existência, a DUDH resistiu a diversas tentativas da sua relativização.
Escudando-se no argumento da diferença cultural, muitos foram os Estados que negaram a universalidade dos direitos contidos na DUDH.
Só os estados árabes e muçulmanos contam já com diversas declarações universais: a Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem (1981), a Declaração dos Direitos Humanos do Islão (1990 - adoptada pela Organização da Conferência Islâmica) e a Carta Árabe dos Direitos Humanos (1994).
No entanto, ainda há mulheres que continuam a ser condenadas ao apedrejamento em países árabes.
E ainda há presos que continuam a ser torturados em solo norte-americano.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem – cujos preceitos são hoje reconhecidos como parte do costume internacional (ius cogens) – é, sem dúvida alguma, um marco e instrumento essencial de defesa dos direitos humanos.
Mas, o seu objectivo principal está longe de estar plenamente alcançado: a garantia dos direitos e liberdades fundamentais a todo e qualquer cidadão do Mundo.
O combate pela universalidade dos direitos humanos é, por isso, um logo caminho ainda a percorrer.


Miguel Salgueiro Meira

SÁ CARNEIRO: A MISTIFICAÇÃO DE UM MITO.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010


Ao contrário dos políticos que são escrutinados no final do seu mandato, a morte prematura de um líder carismático elege o falecido, sem escrutínio, ao estatuto de ícone.
Foi assim com Kennedy e Che Guevara. Assim foi, também, com Sá Carneiro.
Tendo acabado de conquistar uma maioria absoluta para a AD, Sá Carneiro estava em pleno estado de graça quando, a 4 de Dezembro, o avião onde seguia caiu em Camarate.
O projecto que liderava preconizava para o país uma via social-democrata, por oposição a um projecto socialista que, na altura, era ainda um caminho possível.
Eram lutas por projectos e por valores.
A sua morte prematura não lhe deu tempo de governar nem deu tempo aos portugueses de avaliar a sua real capacidade governativa.
Ao contrário de Cavaco Silva, que abandonou a liderança do PSD em 1995 para não sofrer a humilhação da derrota eleitoral para Guterres (há quem procure fazer esquecer isto), a morte de Sá Carneiro poupou-o ao sufrágio dos portugueses, alcandorando-o precocemente a um estatuto de ícone.
Esse seu estatuto não passa, por isso mesmo, de mais um mito da sociedade portuguesa.
Tal como acontece com todos os ícones, as tentativas de aproveitamento político da sua imagem são frequentes, sendo, normalmente, levadas a cabo por quem não tem prestígio e categoria própria para alcançar aquele estatuto.
As sucessivas tentativas de reabrir o processo de Camarate nada mais são do que a tentativa de fazer render um mito.
Há, no entanto, algo em Sá Carneiro e nos políticos da sua geração que deve ser tido como um exemplo para os portugueses, sobretudo para os jovens.
É que, à semelhança de Álvaro Cunhal, Mário Soares ou Freitas do Amaral (políticos da época), Sá Carneiro era um homem que se tinha distinguido na sua vida civil e profissional e que, só depois (e por isso mesmo), foi chamado à política.
Hoje em dia o que se passa é precisamente o inverso: são nomeados para cargos políticos pessoas sem qualquer experiência profissional ou currículo que justifique tal nomeação (às vezes mesmo sem uma licenciatura), aproveitando-se depois do seu currículo político e do leque de relações que tal lhe proporciona para arranjarem um bom emprego.
Os resultados estão à vista de todos.
Valha-nos o exemplo de Sá Carneiro e dos políticos da sua geração, homens que, partilhando valores diferentes, tinham todos valor e lutaram por projectos e ideias.
É esse o exemplo que deve prevalecer de políticos como Sá Carneiro e não qualquer outra mistificação.

Miguel Salgueiro Meira

Publicada parcialmente na edição de 4 de Dezembro de 2010 do semanário "EXPRESSO", in "Carta da semana"

A GREVE GERAL DE 24 DE NOVEMBRO

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Num interessante artigo de opinião publicado na edição do PUBLICO de 16 de Novembro, o jornalista Miguel Gaspar discorreu sobre a greve geral que se avizinha.
Fazendo uma análise certeira de muitos dos problemas do país, o jornalista, muito embora reconheça que “Uma greve geral não resolve nada”, defende a necessidade desta para “a sociedade dizer que não morreu”.
Acertando no diagnóstico, Miguel Gaspar erra na terapêutica.
O nosso país está falido. Essa declaração de falência só ainda não foi dada, não tanto por nossa causa, mas para protecção do Euro.
Com um país a necessitar urgentemente de dinheiro e de trabalho que o produza, como é possível convocar e defender uma paralisação geral?
O prejuízo económico que a greve geral acarretará é enorme. Só em coimas rodoviárias perder-se-ão, no mínimo, 1,5 milhões de euros (cfr. edição do PUBLICO de 8 de Novembro).
O que pretendemos, então, com a greve geral? Abrir ainda mais a vala comum onde nos meteram?
Se a greve geral não resolve nada para quê persistir nela?
Para avaliar a “capacidade de mobilização dos sindicatos”? E o que lucramos nós com isso?
Há muito tempo que os sindicatos desfasaram a sua luta da realidade, tendo sido incapazes de ver mais além do que o imediato.
Os sindicatos acenavam bandeiras por melhores salários, quando, na verdade, a luta era já pela manutenção dos empregos e contra a deslocalização de empresas.
Agarrados a clichés revolucionários já gastos, os sindicatos deixaram-se ultrapassar pela realidade social e foram incapazes de garantir um compromisso social sério que garantisse a sustentabilidade da nossa economia.
Aderir a uma greve geral para dar projecção pessoal a líderes sindicais que apenas se destacam na desgraça alheia em nada resolverá a situação dos portugueses e do País.
Ninguém esquece que a seguir à greve geral de 1988 um dos líderes das centrais sindicais foi “promovido” a deputado europeu.
Não é disso que precisamos. Não é isso que nos resolve problemas.
Há outras formas de os portugueses mostrarem o seu descontentamento que não a greve geral.
A maioria dos portugueses sabe bem que o país está no “fundo do poço” e que medidas de austeridade são inevitáveis.
Não é isso o que povo censura nas mesas dos cafés.
O que ele censura é que os políticos tenham gerido mal o nosso país, tenham esbanjado o dinheiro dos nossos impostos, tenham vivido na promiscuidade das negociatas que as relações do poder lhe proporcionavam nos negócios do Estado e que agora exijam sacrifícios ao mesmo: o “Zé povinho”.
É isto que ninguém perdoa.
E não venha o Dr. Luís Filipe Meneses dizer que “Quem comeu a carne deve roer os ossos”, porque o seu partido também partilhou do banquete.
Quem sempre roeu os ossos foi o povo.
Por isso, não precisamos de uma greve geral cuja única consequência será agravar ainda mais a nossa situação económica.
Se a sociedade quer dizer que não morreu, poderá sair à rua no próximo domingo, dia 28, numa manifestação pacífica, mostrando à classe política a sua indignação pela forma como nos vem governando há mais de 30 anos.
Uma verdadeira e genuína manifestação de massas.
Com trabalhadores e não trabalhadores. Com jovens sem emprego e reformados de pensões miseráveis.
Protestando. Mas sem paralisar o país e sem agravar a situação económico-financeira, cavando mais fundo a cova onde nos meteram.
E, a seguir a essa manifestação, outra se impõe.
Uma maciça adesão ao próximo acto eleitoral para uma enorme votação em branco, de modo a que a classe política perceba, de uma vez por todas, que se querem manter o sistema democrático-partidário devem mudar de rumo.
Seguramente que essas manifestações demonstrarão bem que a sociedade não morreu sem acarretar os efeitos negativos de uma greve geral.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição de 19 de Novembro de 2010 do jornal PUBLICO (pag. 48)

PORTUGAL, A CHINA E OS DIREITOS HUMANOS

segunda-feira, 8 de novembro de 2010


Hu Jintao, o Homem mais rico do planeta – segundo a Forbes – aterrou em Figo Maduro para visitar um dos países mais pobres da Europa – o nosso.
No espaço de menos de um mês, Portugal foi visitado por dois líderes comunistas: Chavez e Jintao.
Há 25 anos atrás a visita destes dois líderes teria uma leitura política: a “colagem” ao bloco de leste.
Hoje, porém, a leitura é tão só e apenas económica: a necessidade urgente de tirar Portugal do “buraco”.
Daí que, na ausência de crédito do nosso País noutras praças, tenhamos que estender as mãos a quem as estende para nós.
Assim, às buzinadelas descontraídas de Chavez à chegada aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, seguiu-se a recepção com pompa e circunstância a Hu Jintao.
A diferença na recepção dos dois não é obra do acaso.
O anúncio de que a China poderia estar interessada em adquirir dívida pública portuguesa, tornou a visita do Presidente Chinês ao nosso País especialmente apetitosa.
Daí que tudo fosse feito para agradar ao sr. Hu Jintao.
A Amnistia Internacional pretendeu organizar uma manifestação – pacífica, sublinhe-se – para demonstrar ao Presidente da China a sua insatisfação com a violação de direitos humanos nesse País e exigindo a libertação de pessoas que aí estão presas por delito de opinião.
No entanto, foi impedida de exercer esse seu direito fundamental de manifestação e expressão pelo governo civil de Lisboa, o qual não autorizou a realização daquela manifestação pacífica.
A justificação dada para a proibição - que se tratava de uma “contra-manifestação” à manifestação da comunidade chinesa - é anedótica e ridícula.
A verdade é que os interesses económicos acabaram por espezinhar os direitos humanos. Mas não só os direitos humanos dos chineses.
Foram os nossos direitos fundamentais de expressão e manifestação que foram violados pelo nosso Estado.
Compreende-se que, perante a nossa actual situação económica-financeira, se procure ajudar e cativar todos aqueles que nos possam ajudar.
No entanto, convém não esquecer que os fins não justificam todos os meios.
Se o Estado vai começar a retirar os nossos direitos fundamentais perante o estado de necessidade economica em que vivemos, entramos num pernicioso caminho.
Tanto mais que a situação economica do País não será nada famosa nos próximos tempos.
E sobretudo se pensarmos que a pujança económica da China se deve muito ao recurso a mão-de-obra barata (para não dizer escrava) dos seus cidadãos.
Estejamos, pois, vigilantes.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição do jornal PUBLICO de 9 de Novembro de 2010, no espaço "Cartas à Directora"
Publicado parcialmente na edição de 13 de Novembro de 2010 do jornal "EXPRESSO" (Carta da semana)

Especialista de Direito Internacional da ONU e ex-juíza do Tribunal de Haia, Paula Escarameia morreu

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Morreu na segunda-feira, com 50 anos, a professora Paula Escarameia. Era especialista em Direito Internacional e membro eleita da respectiva Comissão na ONU, onde desempenhava o cargo de subsecretária-geral. Morreu num hospital de Lisboa onde estava internada após lhe ter sido diagnosticado cancro.

Paula Escarameia, que também foi juíza do Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, membro da Comissão Internacional de Juristas e fundadora da Plataforma Internacional de Juristas por Timor, era figura grata em todos os círculos onde as causas humanitárias e as causas dos povos, sobretudo dos mais desfavorecidos, eram prioritárias.

Foi a primeira mulher eleita para a Comissão de Direito Internacional da ONU (também foi a primeira pessoa portuguesa nomeada para este cargo), onde chegou em 2002. Quatro anos mais tarde haveria de ser reeleita por um período que se iria prolongar até 2011.

Em 1985 recebeu uma Bolsa Fulbright para Doutoramento em Direito Internacional na Universidade de Harvard. Prodessora Catedrática de Direito Internacional, actualmente desempenhava também as funções de professora na Universidade Técnica de Lisboa e professora visitante na Universidade Nova de Lisboa.

Foi a autora de seis livros de Direito Internacional e participou nos trabalhos que haveriam de conduzir à criação do Tribunal Penal Internacional.

Enquanto aluna, a jurista agora falecida distinguiu-se pelas notas obtidas. Poucas foram as ocasiões em que não chegou ao máximo, mas, ainda assim, segundo aqueles que com ela estudaram e privaram, nunca perdeu a humildade, mostrando sempre disponibilidade para ajudar a resolver as necessidades de quem precisava.

O trabalho desenvolvido em prol de Timor e dos timorenses tornou-a numa das personalidades mais prestigiadas naquele país, sendo frequentes as vezes que levou para discussão na ONU questões relacionadas com os direitos humanos daquela população.

O reconhecimento do Estado português pelo seu trabalho haveria de chegar em 2002, altura em que recebeu o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

O corpo de Paula Escarameia, que está na Igreja de São João de Deus, será sepultado hoje pelas 11h00, no Cemitério do Alto de São João.

in edição digital do jornal PUBLICO (dia 6 de Outubro de 2010)

O medo do doutor Pedro Alhinho.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O Dr. Pedro Alhinho - vogal do Conselho Superior da Ordem dos Advogados - deu à edição do passado dia 8 de Setembro de 2010 do jornal “Público” um artigo de opinião intitulado “Terá o bastonário Marinho Pinto medo dos advogados?”.
Nele se insurge contra o facto de o Bastonário da Ordem dos Advogados ter anunciado o adiamento do Congresso dos Advogados Portugueses - que deveria realizar-se no ano de 2010 - para o ano de 2011.
O ilustre causídico criticou a deliberação do Conselho Geral (e não do Bastonário, como erradamente transparece daquele artigo de opinião) de adiar o congresso e apelidou a justificação nela vertida de espúria, sem contudo ter tido a coragem de a transcrever, para que o leitor percebesse o seu teor.
Assim, em vez de opinar sobre as razões que justificaram e fundamentaram a decisão de adiar o congresso para depois das eleições da Ordem dos Advogados – algo para que lhe faltariam argumentos para rebater – o doutor Pedro Alhinho preferiu converter o texto num conjunto de fantasiosos juízos de valor sobre o Bastonário, no mesmo estilo de uma já conhecida campanha que a oposição pôs em marcha há três anos, quando Marinho Pinto ganhou as eleições.
Mas o que diz a deliberação que suporta o adiamento do congresso?
Reza tal deliberação o seguinte:
“Considerando que:
(…) O Congresso dos Advogados Portugueses realiza-se, ordinariamente, de cinco em cinco anos devendo ser convocado pelo Bastonário de acordo com o disposto no n.º 1 e n.º 2, do artigo 30.º do EOA;
O VII Congresso dos Advogados Portugueses deveria realizar-se no decurso do ano de 2010;
As eleições para os diversos órgãos da Ordem dos Advogados realizam-se na segunda quinzena do mês de Novembro do corrente ano (…);
A realização de um Congresso dos Advogados Portugueses antes do acto eleitoral iria ser seriamente prejudicado pelo debate eleitoral, podendo mesmo ser totalmente capturado por esse debate.(…)
Neste contexto,
O Conselho Geral da Ordem dos Advogados(…)delibera o seguinte:
Adiar a realização do VII Congresso dos Advogados Portugueses para o ano de 2011, devendo o Conselho Geral que for eleito na sequência do acto eleitoral, que decorrerá no próximo mês de Novembro, designar a respectiva data.”
Para quem tem acompanhado a vida da Ordem dos Advogados nestes últimos três anos, não será difícil compreender as razões do adiamento.
Desde que Marinho e Pinto tomou posse, as assembleias-gerais da Ordem dos Advogados foram desvirtuadas, deixando de ser locais de discussão séria dos assuntos e opções da classe para serem instrumentalizados pela oposição na luta contra o Bastonário.
Num período da vida nacional em que a Justiça roça os limiares do descrédito, converter um congresso num acto de luta eleitoral seria perder uma oportunidade de discutir com seriedade os problemas da Justiça, numa altura em que essa discussão se impõe.
Deixar instrumentalizar o Congresso dos Advogados Portugueses para fins eleitorais seria adiar para daqui a cinco anos o debate sobre questões prementes da Justiça, cuja discussão e decisão não permite tal delonga.
Foram essas as motivações do Conselho Geral e do Bastonário, bem claras no texto da deliberação que o doutor Pedro Alhinho omitiu.
Ao contrário do que esse advogado proclama, Marinho Pinto não tem medo dos advogados nem da opinião livre e democraticamente expressa por eles.
Prova disso é que o actual Bastonário – ao contrário do doutor Pedro Alhinho – vai submeter-se ao sufrágio eleitoral dos seus pares. E isso é que assuta a alguns.
Não são as assembleias-gerais de aprovação do orçamento e contas – há muito instrumentalizadas pela oposição - que medem a vontade dos advogados portugueses.
Nessas assembleias-gerais a maioria dos advogados presentes são membros de órgãos da ordem munidos de procurações arrecadadas junto dos seus correligionários.
A votação na última assembleia-geral de aprovação das contas é disso mesmo expressão.
Votaram contra as contas 1192 advogados (dos quais 1 135 estavam representados por procuração), número de votantes, esse, inferior a metade dos votos obtidos pelo candidato derrotado mais votado nas últimas eleições.
Se pensarmos que o número de advogados portugueses ronda os 27 000, rapidamente percebemos que se opuseram ao orçamento menos de 5% dos advogados inscritos.
O juízo sobre o mandato de Marinho Pinto há-de ser feito a 26 de Novembro de 2010, no próximo acto eleitoral.
Após a campanha eleitoral que se prevê – como vemos – agitada, e depois de efectuado o respectivo escrutínio, deverá ser convocado o Congresso dos Advogados Portugueses, para que nele se discutam com seriedade os problemas da Justiça e sobre ela se tomem opções e decisões.
Por muito que desagrade ao doutor Pedro Alhinho, a actual situação da Justiça não permite que tal congresso seja desperdiçado em diatribes internas que em nada resolvem os problemas dos advogados.


Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição de 13 de Setembro de 2010 do jornal "PUBLICO", pag. 39

À ESPERA DO MESSIAS.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O País foi a banhos.

As toalhas estenderam-se sobre as areias cálidas das nacionais praias, assistindo a anorécticas elegâncias e mórbidas obesidades.

Bonitas roupas vestiram lusas divas que, bronzeadas a praia e jet-bronze, se desfilaram em bares e clubes “in”, na esperança de virem a encher páginas de revistas cor-de-rosa.

Milhares de pessoas entraram e saíram do país em voos fretados por dezenas de companhias aéreas à porta da falência.

Ao país chegaram, em anual e periódico retorno, os compatriotas exilados pela economia, desfiando-se em elaborados lamentos contra a lusa pátria, criticando tudo e todos, misturando a língua de Camões com a de Balzac, num acto próprio de quem necessita de se justificar da prolongada ausência da terra Natal.

Os incêndios calcorrearam serras e montes, destruindo parques naturais, bosques e matas – mas sobretudo mato -, só parando quando nada mais havia já para arder.

Iniciou-se a actividade política, fretando-se autocarros que se encheram com militantes vindos de longe para dar mais colorido às réentrées e as tornar mais televisivas. Realismo: pouco. Demagogia: a do costume.

Mas agora que Agosto se vai, a fantasia esvai-se e tudo retornará à normalidade e à realidade: a crise, o orçamento, as falências, o desemprego, etc….

Habituados e alimentados, durante mais de vinte anos, a crédito fácil, fundos comunitários e subsídios, os portugueses não se vêem a fazer sacrifícios e poucos estão dispostos a fazê-los.

Pouco dados ao uso do pensamento e mais preocupados como os resultados da “bola”, depositam as suas esperanças num político que há-de vir – qual Messias – equilibrar as contas do País e permitir-lhes a vida fácil que até aqui tiveram.

Dificilmente encontraremos por cá tal Messias.

De qualidade geralmente medíocre, há muito que os dirigentes políticos que por cá se passeiam se assemelham mais a líderes de seitas com o seu séquito de fiéis seguidores (do cartão partidário), quais hienas procurando levar o último pedaço comestível de um ser já defunto.

A emenda tem resultado sempre pior do que o soneto.

A ver vamos onde isto vai dar….



Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição de 28 de Agosto de 2010 do jornal "Expresso" ("Carta da Semana"), pag. 38

ONDE ESTÁ O HUMANITARISMO?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


O dia 19 de Agosto foi escolhido pela Assembleia Geral das Nações Unidas como a data comemorativa do Dia Mundial Humanitário.
Pretendeu-se homenagear todos os trabalhadores humanitários e funcionários das Nações Unidas que perderam as suas vidas trabalhando em prol da causa humanitária, apoiando as vítimas de conflitos armados.
Ano após ano as Nações Unidas desdobram-se em múltiplas missões, procurando assegurar às populações civis desprotegidas, vítimas dos conflitos armados, as condições mínimas de existência com dignidade humana.
No entanto, são inúmeros os problemas com que essas missões se deparam.
A falta de recursos materiais e humanos são um problema efectivo.
Mas a brutalidade e a falta de humanidade dos combatentes e dos seus líderes são problemas bem maiores, que tantas vezes põe intencionalmente em causa a segurança dos trabalhadores humanitários e a existência digna daqueles que eles visam proteger.
As Convenções de Genebra de 1949 - cerne do direito internacional humanitário - são hoje consideradas costume internacional, sendo vinculativas para todos os Estados, tenham ou não ratificado as mesmas.
No entanto, a criminalização de infracções graves nelas prevista não tem sido suficiente para dissuadir os indivíduos da prática de violações grosseiras dos direitos humanos de combatentes e vítimas civis de conflitos armados um pouco por todo o Mundo. Tão pouco tem sido assegurado o julgamento e punição de todos os seus violadores.
Frequentemente são bombardeados alvos civis (numa clara violação do princípio da distinção), ataques, esses, a que depois eufemísticamente se chamam “danos colaterais”.
Com frequência se usam armas que provocam sofrimentos desnecessários no ser humano, quando os objectivos militares poderiam ser atingidos com armamento menos nocivo, evidenciando, assim, um desrespeito pelo princípio da proporcionalidade.
Um pouco por todo o Mundo, os trabalhadores humanitários são ameaçados e intimidados pelas partes em confronto, procurando impedi-los de desempenharem normalmente as suas funções.
Onde está a humanitarismo quando Israel bombardeia bairros residenciais em Gaza com bombas de fósforo branco?
Onde está o humanitarismo quando o Hamas ou as Brigadas Al-Aqsa fazem explodir bombas dentro de autocarros pejados de civis em Jerusalém, sem destruir qualquer alvo militar ou político?
Onde está o humanitarismo quando os Estados Unidos da América torturam há anos em Guantánamo indivíduos que dizem ser suspeitos de terem cometido actos terroristas, sem os submeter a julgamento?
Onde está o humanitarismo quando na província de Osh, no Quirguistão, são arbitrariamente detidos para interrogatório e torturados cidadãos Uzbeques?
Onde está o humanitarismo quando no Darfur Ocidental e no leste do Chade são sequestrados membros do Comité Internacional da Cruz Vermelha, que se limitavam a prestar auxílio às populações civis vítimas das hostilidades?
Onde está o humanitarismo quando um ataque militar provoca a morte e ferimento de dezenas de médicos, professores e recém-licenciados numa cerimónia de formatura de estudantes na Universidade de Banadir, na Somália?
Onde está o humanitarismo quando se desencadeia um ataque armado a uma festa de casamento na província de Kandahar, no Afeganistão, fazendo mais de cem mortos e feridos?
Onde está o humanitarismo quando diariamente são recrutadas dezenas de crianças para integrarem as fileiras de conflitos armados?
Onde está o humanitarismo quando se ataca uma frota carregando ajuda humanitária?
Há muito que os Estados se arregimentaram em grupos, pondo de um lado os estados “párias” e de outro os estados “aliados”.
Enquanto chefes de estado e combatentes de determinados países são procurados, julgados, punidos e executados por graves crimes contra a humanidade, outros, porém, são deixados ad eternum no tranquilo reino da impunidade, muito embora se tratem de nacionais de estados reincidentes em violações graves de direito internacional humanitário.
Muitos países, por conveniências políticas ou económicas, foram primeiramente considerados estados “aliados” (não obstante grosseiras violações de direitos humanos que aí eram cometidas e conhecidas) passando, posteriormente e por idênticos motivos, à condição de estados “párias”. Mas isso são contas de outro rosário…
A dignidade humana de combatentes, civis e dos trabalhadores humanitários não é distinta consoante os mesmos são nacionais ou prestam auxílio a cidadãos de estados “aliados” ou de estados “párias”.
O tratamento humano é devido a todo e qualquer ser humano, sem distinção de qualquer tipo.
No entanto, se muitos chefes de estado têm sido submetidos (e bem) a julgamentos em tribunais penais internacionais por violações graves de direito internacional humanitário, a verdade é que outras violações bem conhecidas e reiteradas do mesmo direito, cometidas por estados “aliados”, têm permanecido impunes.
E mais: chefes de estado desses países têm vindo a público defender as condutas criminosas dos seus exércitos.
Como é evidente, quem assim é defendido sente o caminho livre para continuar a cometer crimes …
Enquanto tal acontecer o humanitarismo continuará pelas ruas da amargura.
Se os estados não punirem os indivíduos sob a sua jurisdição que cometerem crimes de direito internacional humanitário deverão outros estados tomar essa iniciativa.
Baltasar Garzon é um bom exemplo que se distinguiu pela coragem de assumir essa iniciativa.
Em matéria de direito internacional humanitário o princípio é o da jurisdição universal.
O princípio aut dedere aut judicare, consagrado nas Convenções de Genebra, não pode ser apenas uma previsão normativa despida de aplicação prática.
A obrigação de o Estado perseguir e julgar todos os infractores daquelas convenções nos seus tribunais ou de os enviar a outro Estado para que sejam julgados tem que ser efectivamente assumido e seriamente exigido.
Só assim os trabalhadores humanitários, combatentes e civis vítimas de conflitos armados terão mais garantias de protecção.
Só assim fará sentido celebrar o Dia Mundial Humanitário.
De outro modo, essa celebração não passará de uma comemoração vazia, apenas para marcar calendário.


Miguel Salgueiro Meira

Baltazar Garzón e os crimes contra a humanidade.

terça-feira, 27 de abril de 2010


Num Mundo onde as relações internacionais se basearam sempre nos interesses obscuros dos Estados e onde a hipocrisia imperou e impera, o julgamento internacional de indivíduos por crimes de guerra e crimes contra a humanidade constituiu sempre uma excepção.
A vontade de a comunidade internacional submeter a julgamento os crimes mais graves cometidos durante conflitos armados internacionais começou a afirmar-se no decurso da I Guerra Mundial.
Mas foi necessário esperar pelo fim da II Guerra Mundial para que criminosos de guerra fossem efectivamente julgados e punidos no Tribunal Militar Internacional de Nuremberga ou nos tribunais alemães, ao abrigo da Lei do Conselho de Controlo nº 10.
Tratou-se, aí, de julgamentos de vencidos pelos vencedores.
Com raríssimas excepções (das quais se destaca o julgamento de Eichman em Israel), o julgamento por crimes contra a humanidade só ressurgiria nos anos 90 do século passado, após as atrocidades cometidas na ex-Jugoslávia e no Ruanda.
Mais complicado foi, no entanto, o julgamento de crimes contra a humanidade cometidos em conflitos armados não internacionais.
Escudando-se no princípio da não ingerência nos seus assuntos internos, chefes de estado e de governo dos diversos países sempre tiveram grande resistência em admitir a possibilidade de os crimes contra a humanidade cometidos dentro do seu território poderem ser julgados por outro país.
Foi com dificuldade que alguns países começaram progressivamente a aceitar a possibilidade de julgar no seu território indivíduos nacionais de outros Estados por crimes cometidos fora do seu território.
A “doutrina da jurisdição universal” – como ficou conhecida – constitui uma excepção ao princípio da territorialidade, reconhecendo uma jurisdição extraterritorial no caso de crimes que, atenta a sua gravidade, são entendidos como crimes cometidos contra toda a comunidade internacional e contra a humanidade.
O surgimento desta doutrina representou um avanço importante para combater a impunidade de criminosos que, de outro modo, dormiriam sossegados com as mãos sujas de sangue, albergados pelo governo do seu próprio país.
O Estado que mais se destacou nesta luta contra a impunidade foi, precisamente, a Espanha, graças a Baltazar Garzón.
Baltazar Garzón ficou conhecido ao emitir uma ordem de prisão contra Augusto Pinochet pela morte e tortura de cidadãos espanhóis durante os anos da ditadura chilena.(...)
Ironicamente,foi precisamente quando mexeu nas feridas mal curadas da sociedade espanhola, procurando julgar crimes contra a humanidade dentro do seu próprio País, nomeadamente o desaparecimento de milhares de vítimas durante o franquismo, que Garzón viu ameaçada a sua função que desde sempre veio exercendo: a de fazer Justiça.
Três organizações de extrema-direita acusam agora Garzón de ter ultrapassado as suas competências, ao lançar um inquérito sobre as vítimas da ditadura.(...)
De acordo com o direito internacional penal actual, os crimes contra a humanidade são imprescritíveis.
É inadmissível a tentativa de condicionar a independência de Baltazar Garzón, procurando deter o exercício legítimo da sua função judicial, movendo-lhe processos no intuito de o travar e de o intimidar.
Quer se queira quer não, Baltazar Gárzon é um símbolo de Espanha e da Justiça Internacional.
Atenta a sua coragem, já demonstrada ao longo de uma longa carreira, não é de crer que Garzón se deixe intimidar com os processos que lhe foram movidos pelos franquistas.
E isso será uma garantia para o Mundo de que os criminosos de guerra terão a sua vida facilitada.
O que se espera é que a Justiça Espanhola não se deixe intimidar mais do que Gárzon.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição de 27 de Abril de 2010 do jornal "PÚBLICO", pag. 38

Managing diversity a challenge for all countries, says UN genocide prevention official

terça-feira, 30 de março de 2010


19 March 2010 – Even the world’s most homogeneous country faces the challenge of constructively managing diversity, the United Nations Special Adviser on the Prevention of Genocide said today, calling on States to recognize the need to end discrimination and inequalities between different ethnic, racial and religious groups before they result in deadly violence.
In an interview with the UN News Centre from Conakry, Guinea, where he is on the first leg of a two-nation West African tour, Francis Deng described genocide as “just the extreme form of identity-related conflicts.”
He said it was important for countries to not be defensive about the issue and to not view it as something that only occurs in other States.
“I see it as a challenge of good governance, of working towards equality of all groups, regardless of their identity, and of working against marginalization and discrimination.”
Mr. Deng is meeting with Government officials, UN staff and representatives of the Economic Community of West African States (ECOWAS) during this trip in a bid to raise awareness within the region about the need to manage diversity before risk factors for genocide can emerge.
Those risk factors include the existence of defined identity groups within a society; the availability of weapons; the level of discrimination towards some groups; and the capacity of a country to either manage the problem or allow it to escalate.
Mr. Deng said he has been “very encouraged” by the talks he has held so far, including with Guinean Prime Minister Jean-Marie Doré and other senior Government officials, as well as with key representatives of civil society groups.
The Special Adviser, who travels next to Ghana, has cancelled the Nigerian leg of the trip following the recent political developments that led to the dissolution of that country’s Cabinet this week. An earlier stop in Liberia was also cancelled because of delays in leaving New York due to weather problems.
He stressed that he was not using the trip to West Africa to “pinpoint any countries,” and he called for a regional approach to dealing with genocide so that countries can work together to identify and tackle similar issues and problems.
All countries, he added, can take steps to better manage diversity and to reduce inequalities of wealth, power and development.



Fonte: UN NEWS CENTER

P(artido) S(em) D(emocracia)

quinta-feira, 18 de março de 2010

O PSD acaba de aprovar neste último congresso a proibição de
críticas à liderança do partido nos 60 dias anteriores à realização
de um acto eleitoral.
A violação dessa proibição passará a consubstanciar uma infracção grave que pode ser sancionada com a suspensão no partido.
Essa proibição tem um nome: chama-se delito de opinião.
Ela é castradora da manifestação livre e espontânea das ideias e opiniões dos seus militantes, obstando à criação de uma esfera de discussão pública onde se procure a verdade e se encontrem as melhores soluções para aquele partido e para o país.
A aprovação de uma proibição desta natureza, mais do que surpreendente num regime democrático, é surpreendente no actual momento da vida política nacional, onde o PSD acusou o Partido Socialista de atentar contra a liberdade de expressão.
O que ao PSD provocou indignação para com o Partido Socialista, não evitou a lei da rolha no seu quintal.
É esta a mudança que pretendem? É esta a ruptura que visionam? É assim que pretendem unir os militantes e convencer os portugueses?
Estaline não teria feito melhor.
Findo o congresso, já cá fora, os candidatos a líderes quiseram passar a ideia que discordavam da medida.
No entanto, lá dentro, nenhum se levantou contra semelhante atentado aos valores da social-democracia. Quem sabe se não lhes dará jeito no futuro.
O Partido Social Democrata continua um verdadeiro ninho de gatos onde se procura a vitória a todo o custo mas onde, de facto, pouco ou nada se mudará.
Não admira que as sondagens recentes continuem a dar a vitória ao PS.
Com um PSD de tão fraca qualidade quem perde é Portugal.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado parcialmente na edição do dia 18 de Março de 2010 do jornal PÚBLICO
Publicado parcialmente na edição do dia 20 de Março de 2010 do semanário EXPRESSO

Contra a indiferença.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A candidatura de Manuel Alegre às eleições presidenciais de 2006 representou um movimento independente relativamente aos partidos políticos, inclusivamente do Partido Socialista que se recusou a apoiar o seu militante histórico.
Os eleitores, porque começam a estar cansados dos partidos que nos governam há anos, viram na candidatura independente de Alegre e no inconformismo desse candidato um voto de protesto contra o sistema, procurando dar um sinal à democracia de que nem tudo se esgota naqueles partidos.
Manuel Alegre teve 20,72% dos votos expressos, sendo o segundo candidato mais votado.
A expressão eleitoral dos cidadãos livres que se associaram à candidatura de Alegre demonstrou ter uma força que superava a de partidos políticos, como o PS, o PCP ou o BE.
Para esses cidadãos, foi uma derrota que soube a vitória.
A consciência de que, todos juntos, tinham um poder enorme alimentou esperanças que transcendiam o acto eleitoral.
Ficou-se à espera que Manuel Alegre fizesse algo com mais de um milhão de votos que lhe foram confiados.
Falou-se na criação de um partido político. Falou-se na saída de Alegre do Partido Socialista.
Pretendia-se um sinal de ruptura com o sistema partidário e a prática política existentes.
Todos esperavam de Alegre um acto consequente com a expressão dos votos que lhe foram cofiados.
Mas Manuel Alegre não deu tão grande passo.
Militante histórico cuja identidade está ligada indelevelmente ao PS, Alegre não teve a coragem de assumir a ruptura.
E mesmo no exercício da sua actividade como deputado do PS, não fez mais do que ir tendo algumas discordâncias com o seu partido.
Na hora da verdade, Manuel Alegre esteve sempre ao lado do PS.
Nada há a censurar. É a sua identidade. Um histórico como Manuel Alegre não quererá ficar com o ónus de fracturar o PS, criando um novo PRD.
No entanto, é duvidoso que os cidadãos defraudados com Alegre lhe voltem a confiar o voto.
Esses cidadãos sabem agora que Alegre, afinal, não tem a isenção necessária para o exercício da função presidencial, pois, se for necessário tomar qualquer decisão que prejudique o PS, ele – já o demonstrou – sentir-se-á condicionado.
E é aí que Fernando Nobre poderá ser diferente.
Fernando Nobre não está vinculado a nenhum partido.
A sua natureza apartidária fê-lo já apoiar candidaturas dos mais diversos quadrantes políticos.
Nobre é um dos cidadãos portugueses contemporâneos que mais se distinguiu pelo seu espírito de serviço e pela dedicação a causas humanitárias e solidárias.
As suas lutas não são lutas de bancada ou de verbo.
Fernando Nobre luta por esse Mundo fora contra a injustiça e contra a indiferença.
Se é de admirar aqueles que, em tempos difíceis de ditadura, tiveram que abandonar o País porque eram perseguidos, mais admirável é o exemplo daqueles que, em tempos fáceis, abdicam do seu bem-estar pessoal, dando o corpo às lutas solidárias e humanistas quando poderiam estar confortavelmente sentados nas suas casas ou, quem sabe, no Parlamento.
Angustiado com a degradação da vida política e da cidadania em Portugal, Fernando Nobre sentiu dentro de si a obrigação de avançar, procurando mobilizar contra a indiferença os cidadãos decepcionados com a vida pública.
Fê-lo porque sabe – do que viu pelo Mundo fora – que quando um povo se deixa ao sabor da indiferença é meio caminho andado para o poder político dele abusar.
Alguns comentadores residentes aconselharam já Fernando Nobre a abandonar a corrida presidencial e a voltar para a AMI.
Se não tivessem existido na nossa história homens que sonharam ir mais longe do que os seus próprios passos podiam alcançar, nunca teríamos tido um passado glorioso que constitui o pouco de que nos podemos orgulhar.
Quem persegue sonhos não se deve deixar condicionar por quem transpira pesadelos.
A luta de Fernando Nobre é para que aqueles que já desistiram de votar e de se envolver na vida pública sintam que ainda vale a pena e o demonstrem confiando-lhe o seu voto.
E é também para aqueles que não se identificam com nenhum dos candidatos já existentes.
Aí cabem todos: à esquerda, ao centro ou à direita.
É uma luta pela diferença contra a indiferença.
Fernando Nobre é dotado de coragem, abnegação e espírito de serviço.
É de admirar a sua determinação.
Consiga ele mobilizar os indiferentes e já ganhou a batalha eleitoral.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado parcialmente na edição de 6 de Março de 2010 do semanário "Expresso"

SARKOZY HOMENAGEOU AS VÍTIMAS DO GENOCÍDIO DE 1994.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


Durante uma visita altamente simbólica, destinada a ultrapassar quase 16 anos de relações difíceis entre os dois países, o Presidente escreveu num livro no memorial às vítimas daquela tragédia que “a Humanidade guardará para sempre a memória destes inocentes e do seu sofrimento”.

“Em nome do povo da França, manifesto o meu respeito às vítimas do genocídio”, sublinhou Sarkozy durante a sua presença em Kigali, a capital ruandesa.

Acompanhado pelos ministros locais dos Negócios Estrangeiros, Louise Mushikiwabo, e da Cultura, Joseph Habineza, o visitante respeitou um minuto de silêncio em frente às valas comuns onde se encontram os restos mortais de 250.000 das quases 900.000 vítimas do genocídio de 1994.

Seguidamente, o primeiro Presidente francês a deslocar-se ao país desde a tragédia, colocou uma coroa de flores numa das valas, procurando assim ultrapassar o mal-estar que tem existido entre Paris e o regime da Frente Patriótica Ruandesa (FPR), do general Paul Kagamé.

A FPR, que chegou ao poder depois de ter derrotado as forças responsáveis pelo genocídio, tem acusado repetidamente a França de ter contribuído para o que se passou, pois mantinha estreitas relações com o regime anterior.

Foi a morte do chefe desse regime, Juvenal Habyarimana, na queda de um avião, que levou os partidários do mesmo a desencadearem a chacina, que se prolongou por três meses e vitimou em grande parte membros da camada social tutsi.

As milícias extremistas que cometeram o crime pertenciam à maioria populacional hutu, a que vive do amanho da terra.



in PUBLICO (edição de 26/02/2010)

Nobre faz tremer Bloco que Alegre passou três anos a unir

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

BE deu apoio ao poeta socialista, mas há militantes a preferir o independente. Figuras bloquistas esperam para ver
Manuel Alegre ou Fernando Nobre? A resposta só tem de ser dada daqui a um ano, nas urnas. Mas a pergunta está a dar que pensar e a dividir os militantes bloquistas.
Em Janeiro, o BE colocou-se ao lado de Alegre. Só que a entrada de Nobre na corrida a Belém baralhou as contas. Fugindo sempre à palavra "precipitação", vários dirigentes bloquistas têm admitido que as presidenciais ainda "pouco têm de definitivo".
Os apoiantes de Nobre reflectem uma "opinião que existe no meu espaço político e que não deve ser estigmatizada", escreveu o eurodeputado Miguel Portas, num texto publicado no Facebook em que reitera a posição do BE.
Mais à frente, deixou um aviso a Alegre: "Entre o dia de hoje e o do voto muita água correrá debaixo da ponte. Todos acabaremos por votar em função do modo como cada candidato for interpretando a vertiginosa velocidade em que as diferentes crise se estão a movimentar em Portugal."
Rui Tavares, o independente eleito eurodeputado na lista do BE, ainda não deu o apoio a qualquer candidato. Tavares recusou comentar a posição do Bloco mas disse ao DN que "quer ouvir o que os dois candidatos têm a dizer".
Nobre foi mandatário do BE às europeias. "As causas do BE são também as minhas causas", sublinhou, na altura. Embora se tenha apresentado como um cidadão que não fica nem à esquerda nem à direita, é consensual que Nobre vai disputar o eleitorado de Alegre.
Entre os bloquistas, há quem condene o socialista por não romper com José Sócrates com medo de estar a alienar o apoio do PS nas presidenciais. Para outros, é a figura de Fernando Nobre que os leva a não seguir o partido.
Ao DN, a deputada Ana Drago admitiu que "Nobre é admirado por tanta gente, que haverá quem não o coloque imediatamente de fora". Mas recusou a ideia que o BE se tenha "precipitado" a apoiar Alegre. "Fizemos um longo caminho nos últimos três anos de debate e reflexão com Manuel Alegre [debate da Trindade e fórum das esquerdas, na Aula Magna] e concordamos na avaliação crítica do Governo," explicou a bloquista.
Ana Drago lembrou que o BE, na sua Convenção, decidiu apoiar uma candidatura crítica que pudesse unir a esquerda contra o bloco conservador que deve apoiar a recandidatura de Cavaco Silva. Reconhecendo que ainda se está "muito no início", a deputada disse não acreditar que Nobre tenha a capacidade de união de Alegre.
Drago admitiu duvidar do sentido de haver duas candidaturas à esquerda, mas descartou a hipótese de apelar à desistência de qualquer deles. Nobre já deixou claro que não lhe daria ouvidos, frisando que a sua candidatura é "um combate pessoal" para "levar às últimas consequências".


artigo de Hugo Filipe Coelho, in DN, 25 de Fevereiro de 2010

O Presidente da Assistência Médica Internacional, Fernando Nobre, avança amanhã com a candidatura à Presidência da República

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010


Fernando Nobre foi apoiante da candidatura de Mário Soares em 2006 e mandatário nacional do Bloco de Esquerda nas últimas eleições europeias.

Nas últimas autárquicas fez parte da comissão de Honra de duas candidaturas fortes do PS e PSD: António Costa, Lisboa, e António Capucho, Cascais.

É licenciado em Medicina e é também o criador e presidente da AMI, organização humanitária fundada em 1984.

Nobre começou por fazer parte da organização francesa Médicos sem Fronteiras e foi desafiado pelo então Ministro da Saúde, Maldonado Gonelha, a criar uma organização semelhante em Portugal.

Fonte: SAPO

Contos Novos, Rumos velhos.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010


Paulo Rangel não é um daqueles rapazes do PSD que, nunca tendo feito nada na vida, fizeram carreira no partido e dele dependem para levar a vidinha.
Rangel fez-se homem como professor universitário e é dotado de uma grande inteligência, cultura, capacidade de trabalho e de comunicação.
Aguiar Branco, enquanto Ministro da Justiça, chamou-o para seu Secretário de Estado, durante o governo de Santana Lopes.
Como, de facto, é uma pessoa com qualidades, Paulo Rangel cedo se distinguiu dentro do PSD pela clareza das suas ideias e pela forma como as expõe.
Em pouco tempo liderava a bancada parlamentar do seu partido.
E como Portugal - já alguém o disse - é um país em que se cortam as árvores porque fazem sombra aos arbustos, o sucesso de Rangel começou a incomodar alguns dentro do seu próprio partido.
Pouco confiantes nas capacidades eleitorais do PSD, alguém se lembrou de “queimar” Rangel mandando-o para o “degredo” da Europa, pensando que lá longe ele não se faria notar.
Mas Rangel mais uma vez surpreendeu: ganhou as eleições europeias.
Desse modo, aqueles que procuraram enfeitiçá-lo acabaram por cair no próprio feitiço: a vitória nas europeias deu a Rangel um capital político que outros não tinham e que o coloca numa posição confortável relativamente aos demais candidatos.
As legislativas foram para o PSD o desaire que se viu.
Colado a Ferreira Leite durante toda a campanha eleitoral, Aguiar Branco - esperto como é - apressou-se, após a derrota, a candidatar-se à liderança da bancada parlamentar, bem sabendo que era o único poleiro que lhe poderia garantir uma voz activa no partido mantendo a sua visibilidade.
Rangel, já na Europa, negou ser candidato à liderança do PSD.
Palavra de político, como se acaba de ver.
Quando Aguiar Branco contava espingardas, eis que Paulo Rangel quebra a palavra e, adiantando-se àquele, se candidata à liderança do partido.
Foi ver Aguiar Branco aparecer de sorriso amarelo em frente às câmaras da televisão, dizendo que só falaria na sexta-feira seguinte porque cumpre sempre o que diz.
Só não percebeu a indirecta quem não quis.
Aguiar Branco sentiu-se atraiçoado por Rangel a quem trouxe para a notoriedade, quando o convidou para seu Secretário de Estado.
Os políticos, infelizmente, já nos habituaram a isto. Fenómenos como o tacticismo político, a reserva mental, as traições são instrumentos normais dentro da luta política.
O que se estranha é que eles próprios ainda se surpreendam com isso.
Por mais floreado que possa ser o seu discurso, todos nós sabemos o que os move e o que deles podemos esperar.
Invertendo o título do álbum de Zeca Afonso dizemos: “Contos novos, rumos velhos”.


Miguel Salgueiro Meira


Publicado integralmente na edição de 17 de Fevereiro de 2010 do jornal "Público", pag. 30.
Publicado parcialmente na edição de 14 de Fevereiro de 2010, do jornal "Diário de Notícias"

CALHANDRICES


Mário Crespo é, sem dúvida alguma, um dos melhores jornalistas televisivos portugueses da actualidade.
O “Jornal das 9” que apresenta na SIC NOTÍCIAS é, seguramente, um dos melhores – senão o melhor – programa informativo do País.
Aí são entrevistadas importantes figuras da cena nacional e aí se proporcionam debates relevantes sobre a actualidade política, económica e social, num programa que se destaca pela qualidade dos temas e dos intervenientes.
Não desconhecemos, no entanto, a antipatia que Mário Crespo tem pelo partido do governo. Ela é latente e indisfarçável.
Bastará recordar a entrevista ao ministro Pedro Silva Pereira, e estamos esclarecidos relativamente à simpatia do jornalista pelo governo e pelo partido que o sustenta.
E daí?
Portugal é – a Constituição assim o diz - um Estado de direito democrático baseado, entre outras coisas, no pluralismo de expressão e no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.
Uma das funções da liberdade de expressão é precisamente servir de instrumento de controlo da actividade governamental e do próprio exercício do poder.
É no seio de discussões livres e abertas que se procurará atingir a verdade e desmistificar as falsas questões.
Mário Crespo tem a sua perspectiva. Não disfarça a sua animosidade com o governo. Todos o sabem. É público e notório.
Cabe a cada um avaliar com grano salis os debates e o serviço noticioso que ele nos proporciona.
Mas não caberá a ninguém silenciá-lo.
No texto “O fim da linha”, Mário Crespo relata (com a respectiva animosidade que já lhe é conhecida) que o primeiro-ministro e outros elementos do executivo presentes num alegado almoço a ele se terão referido «como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”».
Até aqui nada haveria a dizer dos alegados comentários: livre exercício da crítica.
Mas o caso muda de figura quando Mário Crespo alega que, no dito almoço, se referiram a ele como «como “um problema” que teria que ter “solução”».
Aqui já não se trata de opinar livremente. Aqui trata-se de silenciar quem discorda.
E isso, a ter sido sugerido, é intolerável.
A reacção que, segundo a agência Lusa, foi proferida por fonte do Ministério dos Assuntos Parlamentares é insuficiente para esclarecer esta questão.
Incumbia ao Governo tomar uma posição clara sobre se tal expressão foi ou não proferida por membros do Governo e em que contexto.
Limitar-se a referir o episódio como mais um dos “casos fabricados com base em calhandrices” é pouco para tão grave insinuação.
Por algo bem menos grave, José Sócrates instaurou uma queixa-crime contra o jornalista João Miguel Tavares.
Se tudo o que foi relatado por Mário Crespo é mentira e se se trata de mais um caso fabricado caberá ao primeiro-ministro esclarecer.
A bola está do lado dele.

Miguel Salgueiro Meira

Texto publicado parcialmente na edição do dia 9 de Fevereiro de 2010 do jornal "Diário de Notícias"