Hoje é dia dos comícios de encerramento de campanha...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


Hoje é dia dos comícios de encerramento de campanha...
Camionetas cheias de militantes arregimentados nos mais recônditos locais do país vão desembocar em coliseus e outros areópagos decorados com o merchandising colorido de campanha custeada com as subvenções que, a final, saem dos bolsos do contribuinte.
Nesta eleição não se joga apenas a eleição do Presidente da República. É a sobrevivência do defunto Governo que também está em jogo.
Daí que os militantes sejam chamados à colação. Uns com medo de perder o tacho e outros ansiosos por ter um.
Para quem não "milita", resta assistir ao resultado do sufrágio que, ao invés de procurar resolver os problemas do País, vai sobretudo procurar resolver os problemas dessa gente.

Miguel Salgueiro Meira

É ELE, O MESMO.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011



Foi ele quem negociou com Bruxelas a redução da quota pesqueira portuguesa, virando de costas para o mar um povo que dele sempre viveu.
Foi com ele que se encetaram em Bruxelas negociações para a redução das quotas de produção agrícola, dando o golpe fatal no sector primário nacional.
Foi ele que não cuidou de implementar mecanismos eficazes de fiscalização da aplicação dos fundos comunitários, o que tornou fácil a empresários desvia-los para a aquisição de Ferraris, vivendas luxuosas e outras mordomias, em vez de serem aplicados, como deviam, no reforço e modernização do tecido produtivo nacional.
Foi ele que iniciou a política de facilitismo no ensino, mais preocupado em apresentar resultados estatísticos de escolaridade obrigatória à Europa do que em educar efectivamente os portugueses.
E foi ele que, assim actuando, teve o desplante de apelidar de “geração rasca” os frutos de uma escola que ajudou a criar.
Foi com ele que se viraram polícias contra polícias, reprimindo-se com bastões e carros anti-motim uma manifestação pacífica de agentes policiais.
Foi com ele que se reprimiu à bastonada policial os jovens estudantes que pacificamente se manifestavam contra o pagamento de propinas.
Foi com ele que se reprimiu com carga policial os cidadãos que se manifestavam contra as portagens na Ponte 25 de Abril, levando à morte desnecessária de um cidadão.
Foi com ele que se suspendeu o tráfego ferroviário nas Linhas do Sabor e do Dão, nos Ramais do Montijo e Montemor, agudizando as dificuldades da interioridade e periferia.
Foi ele que nunca lidou bem com opiniões diferentes da sua, apelidando de “forças de bloqueio” os que se insurgiam contra as consequências sociais das suas reformas e políticas.
Foi ele que, avesso à crítica, de uma forma arrogante e prepotente, vociferou “deixem-me trabalhar”.
(E por causa disso) Foi ele que abandonou a liderança do PSD em 1995, para evitar ir a votos nas eleições legislativas seguintes e aí sofrer uma pesada humilhação eleitoral.
E foi também ele que perdeu as eleições presidenciais para Jorge Sampaio, porque o povo português, sendo de memória curta, ainda a tinha bem fresca para se lembrar dos 10 anos que esteve sob o seu governo e das consequências sociais das suas políticas.
Foi ele que, com a “ajudinha” de Sócrates, disputou as eleições presidenciais sem ter como adversário um candidato que concentrasse o apoio de toda a esquerda.
Foi ele que, de forma impávida e serena (com toques de “bom aluno”) assistiu à humilhação da Nação Portuguesa pelo Presidente Checo.
Foi ele que permitiu as graves suspeições sobre o actual governo, nada esclarecendo sobre o episódio das escutas que ensombrou o relacionamento entre Belém e S. Bento, numa clara contradição com o clima de “cooperação estratégica” que tanto propalou.
Foi ele que, segundo o jornal “Expresso”, lucrou 147,5 mil euros na transacção de participações da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) que controlou o BPN, banco que só não faliu porque foi nacionalizado, tornando públicos os prejuízos de uma entidade que deu lucro a apenas alguns.
E foi ele que, concorrendo ao mais alto cargo da Nação, se julga dispensado de esclarecer ao País tudo o que (mesmo não o sendo) possa parecer duvidoso sobre a sua vida.
E sim.
É ele, o mesmo.
É ele que as sondagens dão como vencedor à primeira volta das próximas eleições à Presidência da República, com 60% dos votos.
Vá lá perceber-se.
Pobre fado o de um povo que não tem ninguém melhor para presidir aos destinos da República.


Miguel Salgueiro Meira

A declaração de um genocídio em curso na Costa do Marfim.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011



Chegam-nos notícias preocupantes sobre o aumento da violência na Costa do Marfim, motivado pela recusa do Presidente Laurent Gbagbo em aceitar o resultado das eleições que deram a vitória ao seu adversário, Alassane Outtara.
Relatos de execuções sumárias, valas comuns, desaparecimentos forçados, violência sexual, e outros crimes perpetuados pelas forças apoiantes de Laurent Gbagbo, bem como de discursos de incitamento ao ódio propagados pelos órgãos de comunicação social por ele controlados, fazem recear o pior naquele país.
Um número crescente de costa-marfinenses refugiou-se já nos países vizinhos, mormente na Libéria, agudizando a situação humanitária naquela região de África.
Na quinta-feira passada, o novo embaixador da Costa do Marfim nas Nações Unidas, Youssouf Bamba (nomeado pelo vencedor das eleições Alassane Outtara), apressou-se a declarar que o seu país está à beira de um genocídio.
A tentativa de qualificar o que se está a passar na Costa do Marfim como genocídio não é inocente.
Por trás dela estão, seguramente, intenções políticas bem definidas.
O reconhecimento técnico-jurídico de um “genocídio” não é uma questão menor.
Um elevado número de mortes não consubstancia, só por si, um genocídio.
Basta lembrar que não é tecnicamente qualificável como “genocídio” o extermínio de 1,4 milhões de cambodjanos no governo dos Khmer Vermelhos.
De acordo com a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio de 1948, o assassínio de pessoas em larga escala apenas é qualificável como genocídio quando houver da parte de quem comete (directa ou indirectamente) esses crimes a intenção de eliminar, no todo ou em parte, um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso a que essas pessoas pertençam.
O que permite a qualificação como genocídio é a mens rea do perpetrador, ou seja, a sua intenção de eliminar um determinado grupo. Mas não qualquer grupo: apenas se estivermos perante um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
Caso não possa ser qualificado como genocídio, poderá vir a classificar-se como um crime contra a humanidade de extermínio (al. b) do artº. 7º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional) se os assassinatos forem cometidos no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil.
O assassinato de 800 000 ruandeses em 1994 no Ruanda foi, de facto, um genocídio, porquanto era intenção declarada da maioria de etnia hutu instalada no poder eliminar todos os elementos de etnia tutsi.
Traduzindo essa intenção, a média diária de assassinatos no Ruanda, em 1994, foi de 8 000 pessoas por dia.
Morreram quase tantas pessoas num dia de genocídio no Ruanda como militares portugueses nas três frentes de batalha (Angola, Moçambique e Guiné) em todo o período de duração da guerra colonial.
É inquestionável que actos de violência crescente e violações de direitos humanos estão a ocorrer na Costa do Marfim.
Mas será que se pode qualifica-la como genocídio?
As primeiras notícias que vieram a lume sobre a violência na Costa do Marfim davam conta que estavam a ser cometidos actos de violência pelas forças policiais e milícias leais ao derrotado Laurent Gbagbo contra os seus opositores políticos.
Daí não transparecia a intenção de eliminar os membros de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Quando muito, verificar-se-ia a tentativa de eliminar um grupo político, o qual, como se referiu, não é considerado um grupo-alvo para efeitos de qualificação como genocídio.
No entanto, nas últimas semanas houve uma preocupação crescente em fazer chegar aos media factos que, na pratica, podem evidenciar intenções genocidas.
Houve relatos de que estavam a ser marcadas casas de acordo com a pertença tribal dos seus habitantes, para se proceder ao seu assassinato, o que poderá evidenciar a intenção de eliminar um grupo étnico.
O facto de Gbagbo e Outtara pertenceram a grupos religiosos diferentes ajuda também a criar a ideia de, por trás da violência, estariam razões étnico-religiosas.
Foi dada também a notícia de que um soldado das forças das Nações Unidas foi agredido com um Machete, lembrando as imagens trágicas do Ruanda.
Não obstante tudo isso, a verdade é que, segundo as últimas notícias, a violência na Costa do Marfim provocou, desde o acto eleitoral, a morte de 200 pessoas, o que não tem comparação possível com os 8 000 mortos que, em média, morreram por dia no Ruanda.
Porquê qualificar, então, a violência na Costa do Marfim como genocídio?
A verdade é que o reconhecimento da sua existência cria uma obrigação legal internacional de os estados prevenirem e reprimirem os actos de genocídio.
E isso só será assegurado com uma intervenção militar ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o que pressupõe disponibilidade e vontade política dos Estados para o efeito.
Como é sabido, o interesse das principais potências mundiais por África é diminuto.
E, desde que soldados americanos foram massacrados na Somália, os Estados Unidos da América tem-se abstido de intervir naquele continente.
Prova disso foi o trágico exemplo do Ruanda, onde o genocídio tardou em ser reconhecido e a intervenção da comunidade internacional (com a “Operação Turquesa”) só se verificou depois de já ter perecido cerca de um décimo da população daquele país.
Assim, a declaração de iminência de um genocídio, por parte do embaixador Youssouf Bamba, nada mais é do que a tentativa de pressionar a comunidade internacional a intervir no seu país e evitar a violação massiva de direitos humanos, contrariando a tendência daquela em deixar os povos africanos à sua sorte.
Há que perceber o apelo: independentemente da qualificação jurídica a ser atribuída, é urgente que a comunidade internacional ponha fim à violação de direitos humanos na Costa do Marfim.

Miguel Salgueiro Meira