Revoltas árabes: democracia ou nova tirania?

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011



As revoltas populares a que assistimos nos países árabes do Norte de África dão-nos conta que chegaram ao fim do “prazo de validade” os tirocínios de velhos ditadores que subjugaram os seus povos durante décadas com mão de ferro.
A ânsia por uma mudança é bem patente nos rostos dos milhares de jovens que encheram praças, manifestando-se contra os regimes políticos despóticos que os governavam.
Se essas revoltas vão representar a chegada da democracia àqueles países é algo já bem distinto e incerto.
Como é incerto aquilo que os revoltosos realmente pretendem: se uma democracia de matriz ocidental - com respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais de homens e mulheres-; se uma “democracia” semelhante a outras que como tal se proclamam noutros países árabes, onde os direitos individuais são violados, ignorados ou, na melhor das hipóteses, menorizados em detrimento dos “direitos da comunidade”.
Parece pouco credível que estas “revoluções” tenham surgido espontânea e sequencialmente nos diversos países de levantamentos populares, organizadas via facebook.
Elas aparentam, antes, ter sido obra de uma cuidada e meticulosa operação, organizada por uma estrutura com ramificações pelos diversos países árabes.
Não é, por isso, clara a influência que a Irmandade Muçulmana possa ter tido na condução destas revoltas nem o papel que irá ter nos novos regimes.
Dúvidas não existem de que a queda dos regimes até agora vigentes vai de encontro aos anseios dos povos árabes.
A dúvida é, antes, saber qual a forma que os novos regimes irão assumir e que tipo de relacionamento pretendem com o ocidente.
Serão regimes democráticos ou novas tiranias?
Adoptarão posturas moderadas ou posturas extremistas?
Condenarão o terrorismo islâmico ou contribuirão para o promover e para albergar impunemente os seus agentes?
Pretendem contribuir para a Paz no Médio Oriente ou pretendem incendiar ainda mais o conflito israelo-palestiniano?
Não é certo também se as revoltas árabes se vão cingir aos seus próprios países ou se, no final, tem reservada uma grande revolta contra o ocidente.
Os extremistas árabes há muito perceberam que não é pela via militar convencional que podem derrotar o ocidente.
Mas a sua actuação concertada pode por em risco as economias ocidentais se utilizarem como arma a privação do principal recurso energético que eles dominam – o petróleo.
Até aqui, regimes como os de Mubarak eram tidos como “moderados” pelo ocidente.
Passadeiras vermelhas foram estendidas um pouco pela Europa – Portugal incluído – para receber Kadhafi.
O interesse do ocidente pelo petróleo e a situação delicada de Israel contribuíram para que a comunidade internacional fosse cautelosamente apertando a mão a tais ditadores.
Agora que esses “moderados” tombaram, aguardemos para ver a quem vamos apertar a mão a seguir.
E aguardemos também para ver se nos “vão apertar a mão” ou se nos “apertarão o pescoço”.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição de 2 de Março de 2011 do jornal PUBLICO, pag. 38.