segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


PARA ALÉM DO NECESSÁRIO - nova exploração humana em tempo de crise.




É sabido o aumento exponencial do número de desempregados em Portugal nos últimos anos.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística revelados na passada quarta-feira, a taxa de desemprego subiu para 16,9% no último trimestre de 2012.
Só no espaço de um ano (de 2011 para 2012) a população desempregada aumentou 21,8%.
Quem percorre os tribunais, há muito se apercebeu que os seus placards são já insuficientes para afixar os editais que anunciam a insolvência das empresas, estando os mesmos a ser já colados nas suas paredes.
Depois do caos das finanças, a economia portuguesa, no frenesim da austeridade, naufraga lentamente.
As consequências sociais são enormes.
Os preços não deixam de subir, e os salários (por força do aumento da carga fiscal e da inflação) não deixam de perder valor real.
As prestações para amortização dos créditos bancários a que tantos foram aliciados, essas, não descem.
Aumenta o recurso das famílias portuguesas a instituições de solidariedade social para obterem uma refeição.
Há famílias em que todos os elementos do agregado familiar perderam o emprego.
As opções políticas até agora tomadas são de censurar. Mas nem só a classe política tem responsabilidades no que actualmente se está a passar.
Empresários sem escrúpulos cavalgam a onda da austeridade.
Muitos deles, a pretexto da crise económica e financeira do País, têm aproveitado para apresentar as suas empresas à insolvência para, dessa forma, deixarem de pagar os seus débitos, criando novas empresas para continuarem a laborar sem passivo. Outros, por seu turno, aproveitam aquele contexto para diminuir o número de trabalhadores.
O sector da construção civil tem sido dos mais afectados.
Para além do drama dos jovens que não obtém emprego, um drama maior ainda surge para aqueles portugueses de meia-idade que, perdido o emprego, seguramente não conseguirão – atenta a idade – obter trabalho.
Muitos, até agora, procuraram garantir a sua subsistência saindo do país, nomeadamente para Angola.
Mas recentemente um novo fenómeno de exploração parece estar a surgir.
Muitas empresas nacionais preparam-se para fechar portas ou reduzir ao mínimo a sua presença no nosso país e continuar a laborar apenas no estrangeiro, promovendo despedimentos colectivos.
E a proposta que estão a fazer aos trabalhadores a despedir é a de lhes dar trabalho no estrangeiro, mas apenas pelo valor do salário que auferiam cá em Portugal e já não pelo valor dos melhores salários que sempre foram pagos aos trabalhadores deslocados no estrangeiro, nomeadamente em Angola.
Assim, aquilo que alguns empresários se preparam para fazer é celebrar contratos de trabalho verdadeiramente usurários, explorando o estado de necessidade dos desempregados portugueses para, desse modo, obterem uma redução de custos com o pessoal, aumentando dessa forma o seu lucro, repercutindo, mais uma vez, os custos da crise nos trabalhadores portugueses.
Urge que os responsáveis políticos, incapazes de garantir a retoma da economia e a diminuição do desemprego cá dentro, adoptem medidas susceptíveis de combater esta exploração dos tempos modernos.

Miguel Salgueiro Meira


Publicado na edição de 23 de Fevereiro de 2013 do jornal "Público", pag. 44, "Cartas à directora".