Publicado na edição de 23 de Fevereiro de 2013 do jornal "Público", pag. 44, "Cartas à directora".
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Publicado na edição de 23 de Fevereiro de 2013 do jornal "Público", pag. 44, "Cartas à directora".
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
quarta-feira, 2 de maio de 2012
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Nascido beirão no Portugal profundo, e tendo cursado economia na mais distinta universidade do País, Álvaro Santos Pereira rumou para a América do Norte onde, entre os Estados Unidos e o Canadá, viveu anos de docência universitária leccionando aulas de Desenvolvimento Económico e Política Económica e doutorando-se na Simon Fraser University.
Durante a sua teorética vida académica, Álvaro Santos Pereira escreveu dois livros discorrendo sobre o que chamou mitos da economia portuguesa e sobre os desafios com que a mesma se debatia, nomeadamente os problemas da sua produtividade, dos salários baixos, dos imigrantes, do euro, da Europa e da crise que o país atravessava.
Passando a ser voz constante na imprensa económica nacional, o economista começou a ser conhecido.
Ganhas as eleições, Passos Coelho viu em Álvaro Santos Pereira alguém a quem confiar os destinos económicos na nação e convidou-o para Ministro da Economia.
Sem que alguma vez tivesse gerido o que quer que fosse - ocupado que sempre esteve na docência universitária -, Álvaro Santos Pereira viu subitamente cair-lhe nas mãos a responsabilidade da gestão económica da nação.
De académico e desmistificador de mitos, o actual Ministro da Economia foi incumbido de salvar a economia de um país em crise profunda a quem o FMI tinha acabado de estender a mão para o salvar da bancarrota.
Feito o convite, um animado e muito sorridente Álvaro dos Santos Pereira era visto periodicamente em entrevistas e deslocações públicas.
Mas em pouco mais de cem dias de governo o Ministro da Economia deu de caras com o país real, com as empresas a atravessar dificuldades imensas e as insolvências colectivas e individuais a sucederem-se diariamente a um ritmo avassalador.
A acrescer a isso, Álvaro Santos Pereira viu o Ministro das Finanças destruir-lhe todas e quaisquer hipóteses de reabilitar a economia nacional.
O agravamento da carga fiscal a níveis nunca antes vistos e a redução do salário anual dos trabalhadores (com os cortes dos subsídios Férias e de Natal), puseram em causa o poder de compra dos portugueses, o que terá reflexos negativos imediatos nos milhares de comerciantes, que deixarão de vender.
O agravamento para 23% da taxa de IVA na restauração, refrigerantes e congelados onerou em demasia a actividade do turismo e restauração que vive já de si aflita à espera de obter nos meses de Verão o suficiente para se manterem “vivos”durante o resto do ano.
A impossibilidade de deduzir fiscalmente as despesas com aquisição de habitação e com os novos arrendamentos consubstancia um golpe de morte no sector da construção civil que, já de si, estava moribundo.
Com tais ataques da máquina fiscal, o país prepara-se para a pior recessão desde 1975, com uma queda do PIB prevista de 2,8% e uma taxa de desemprego de 13,4%.
Perante este cenário, o Ministro da Economia pouco mais pode fazer do que mandar mensagens de alento, dizendo-nos que há vida para além da austeridade.
Mas esta crise não é um mito. As famílias portuguesas que o digam.
O Ministro da Economia também já o percebeu.
Talvez por isso, o Álvaro deixou de sorrir.
Miguel Salgueiro Meira
in edição de 20 de Outubro de 2011 do jornal "Público", pag. 38.
sábado, 17 de setembro de 2011
A conclusão do relatório da Comissão Palmer, nomeada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas para averiguar as circunstâncias e consequências do incidente da frota humanitária de 31 de Maio de 2010 que envolveu as forças armadas israelitas (IDF) e activistas humanitários, tem provocado um azedar de relações entre Israel e a Turquia.
No “Palmer Comission Report” – como ficou conhecido - foram analisados detalhadamente o bloqueio naval levado a cabo por Israel, as acções da frota humanitária, os esforços diplomáticos desencadeados pelo incidente, a operação de abordagem aos navios por parte de Israel e o uso da força na abordagem ao navio “Mavi Marmara”.
Algumas das conclusões do relatório têm sido propaladas, nomeadamente as recomendações da Comissão Palmer para que Israel efectuasse um pedido de desculpa pelo incidente.
Israel ainda não o fez - não lhe teria ficado mal se o tivesse feito.
A Turquia aproveitou essa falha diplomática, cavalgando a crista da onda do lobbying crescente para denegrir internacionalmente a imagem de Israel, numa altura em que está iminente um pedido de reconhecimento do Estado Palestiniano.
No entanto, a Turquia parece esquecer-se que o “Palmer Comission Report” também lhe imputa falhas no caso do incidente da frota humanitária.
Reconhecendo que Israel enfrenta desde 2001 uma ameaça real à sua segurança e à da sua população civil por parte de grupos militantes em Gaza, a Comissão Palmer é clara ao referir que tem sido o Hamas - como autoridade administrativa e política com controlo efectivo sobre Gaza - quem tem disparado rockets, mísseis e morteiros contra Israel ou permitido que outros o façam, com o propósito de causar danos à população de Israel.
Nessa medida, a comissão de inquérito considerou que o bloqueio naval, para além de válido à luz do direito internacional, é uma medida proporcional do estado israelita para defender o seu território e população (impedindo que armamento, munições e abastecimento militar cheguem a Gaza e ao Hamas), rejeitando o argumento Turco de que o objectivo daquele bloqueio era o de provocar a fome ou punir a população de Gaza.
Por outro lado, a Comissão Palmer, questionou a verdadeira natureza e objectivos dos organizadores da frota humanitária: por um lado, houve a suspeita de que a proprietária de dois dos navios que integravam aquela frota (entre os quais o “Mavi Marmara”) era uma organização não-governamental turca suspeita de apoiar o Hamas. Por outro lado, foi posta em causa a qualidade da ajuda humanitária a bordo das embarcações (limitada a alguma comida e brinquedos transportados na bagagem pessoal dos passageiros). Pelo que, entendendo ser desnecessária uma frota de seis navios para transportar tão reduzida ajuda humanitária, a comissão de inquérito concluiu que a mesma tinha apenas intenções propagandísticas.
De acordo com as conclusões do “Palmer Comission Report”, o Governo Turco, podendo tê-lo feito, não alertou devidamente os participantes na frota humanitária dos riscos reais dessa participação, nomeadamente da possível utilização de força por parte de Israel.
A comissão de inquérito considerou também que muito mais poderia ter sido feito em termos diplomáticos por Israel e pela Turquia para evitar o incidente.
Já no que toca à abordagem do navio “Mavi Marmara” pelas forças armadas israelitas (IDF) a comissão de inquérito reconheceu que ela contou com uma resistência violenta dos passageiros, o que levou a que a mesma não pudesse ser feita por via marítima mas sim através de comandos transportados de helicóptero, que desceram através de cordas para o navio - uma imagem que correu Mundo.
No entanto, e de acordo com o relatório, alguns dos passageiros do “Mavi Marmara” tinham-se preparado antecipadamente para resistir de forma violenta a qualquer tentativa de abordagem, tendo cortado as barras laterais de ferro do barco para serem usadas como arma, bem como correntes e facas, isto para além de estarem preparados com coletes à prova de bala e mascaras de gás.
A Comissão Palmer concluiu, por isso, que, perante a resistência violenta dos passageiros da frota humanitária, os militares envolvidos na operação tiveram que tomar medidas para a sua protecção e da dos demais soldados.
Apesar disso, a comissão considerou excessivas e inaceitáveis as mortes e danos físicos provocados pelo IDF.
A leitura do “Palmer Comission Report” deixa, assim, transparecer que o real objectivo dos organizadores da frota humanitária não foi o de levar ajuda humanitária, mas sim o de criar um incidente que chamasse a atenção da comunidade internacional contra o bloqueio naval israelita, pondo, assim, em causa a imagem internacional de Israel.
Tendo em conta o modo como provocaram as forças armadas israelitas e a preparação que levavam para lhes resistir, questionamo-nos se os organizadores da frota humanitária não anteviram as consequências e se as mesmas não foram desejadas, com objectivos propagandísticos anti-israelitas.
Mas o relatório da Comissão Palmer deixa ainda no ar suspeições não esclarecidas sobre uma postura da Turquia para com os organizadores da frota humanitária e a relação destes com o Hamas.
De facto, o “Palmer Comission Report” refere como controvertida a presença de 40 activistas do navio “Mavi Marmara” que integraram aquilo que foi apelidado de hardcore group, com controlo efectivo sobre a embarcação durante a viagem e que não foi sujeito a qualquer inspecção de segurança no porto Turco de Istambul.
Se a isto associarmos o facto de que o Hamas tinha preparada uma recepção para os participantes da frota humanitária quando estes chegassem a Gaza, bem como o recente anúncio público do Primeiro-Ministro Turco Recep Tayyip Erdogan de que estava a equacionar uma visita a Gaza, talvez compreendamos melhor o contexto da recusa israelita em pedir desculpas à Turquia pelo incidente e a propaganda activa que esta tem feito com a publicitação em torno das suas decisões de cortar relações diplomáticas com Israel, expulsando o seu embaixador.
Não há Paz à vista no Médio Oriente.
Miguel Salgueiro Meira
Publicado parcialmente na edição de 17 de Setembro de 2011 do jornal "EXPRESSO", pag. 34
A violência e carnificina das guerras andaram sempre associadas ao género masculino dos combatentes, figurando a mulher quase sempre como vítima civil dos conflitos armados, sujeita às piores provações físicas e psicológicas.
Com o passar dos séculos, a mulher foi vendo reconhecidos os seus direitos civis e políticos, e foi naturalmente ocupando lugares nos governos e nas forças armadas das Nações.
Mas nem sempre o papel da mulher nos conflitos armados, como combatente ou governante, conduziu a uma maior humanização da guerra.
A recente condenação pelo Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (ICTR) de Pauline Nyiramasuhuko à pena de prisão perpétua por crimes de genocídio, crime contra a humanidade e crimes de guerra é disso um bom exemplo.
No ano em que se completam 65 anos sobre a data em que a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o genocídio um crime de direito internacional , Pauline Nyiramasuhuko tornou-se a primeira mulher a ser condenada por tal crime.
Entre 6 de Abril de 1994 e 14 de Julho de 1994, num contexto de um conflito armado entre o Exército leal ao Governo e a Frente Rebelde Patriótica (RPF), o Ruanda viveu um genocídio de características grotescas.
A elite governante de etnia hutu lançou-se num plano concertado para a destruição da etnia tutsi, através da eliminação física dos seus membros, tendo em apenas 100 dias sido assassinadas cerca de 800 000 pessoas, numa média de 8 000 pessoas por dia.
As imagens e relatos desse período são aterradoras, com os cidadãos de etnia tutsi a serem violentados, torturados e mortos a golpes de katana, sendo as mulheres tutsi violadas e esventradas antes de serem mortas e as crianças tutsi decepadas em frente aos pais.
Tudo isto se passou com uma força de peacekeeping das Nações Unidas no terreno (UNAMIR) a qual, devido ao mandato limitado que possuía, não pôde intervir para evitar os massacres, num dos episódios mais vergonhosos da história Nações Unidas.
À data do genocídio, Pauline Nyiramasuhuko era ministra no governo interino do Ruanda.
Entre 9 de Abril de 1994 e 14 de Julho de 1994, Pauline Nyiramasuhuko, enquanto Ministra, participou das reuniões do Governo onde foram emitidas directivas e decisões para encorajar a população ruandesa de etnia hutu a atacar e matar os cidadãos de etnia tutsi, nomeadamente destituindo todos aqueles que obstaculizavam o assassinato desses cidadãos, incentivando a população a montar barricadas nas ruas para aí eliminar a população tutsi e tomando outras decisões que permitiram os massacres na comuna de Butare.
Face a todo esse factualismo que resultou provado, o ICTR considerou demonstrado que Pauline Nyaramasuhuko tinha acordado com os demais membros do Governo Interino do Ruanda assassinar os cidadãos de etnia tutsi na Perfeitura de Butare, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, esse grupo étnico. Por isso mesmo, considerou Nyaramasuhuko culpada de conspiração para o cometimento de genocídio .
Para além disso, o ICTR deu como provado que em Maio e Julho de 1994 Nyaramasuhuko ordenou a membros da milicia Interahamwe (uma das principais responsáveis pela execução dos massacres) que assassinassem cidadãos tutsi e violassem as mulheres dessa etnia.
Contudo, nessa parte, o tribunal fez uma crítica contundente à acusação deduzida pelo Procurador: alegando ter provas suficientes para poder considerar que as violações de mulheres tutsis constituíam uma forma de execução do genocídio, o ICTR não pode condenar Nyiramasuhuko pelo crime de genocídio nessa base, uma vez que a acusação que lhe foi notificada não continha uma imputação suficiente de tais factos, pelo que, a ser proferida tal condenação, a mesma atentaria contra as garantias e direitos de defesa da arguida.
Nessa medida, e relativamente às ordens dadas para a violação de mulheres tutsi, Pauline Nyaramasuhuko foi condenada apenas por crimes contra a humanidade e crimes de guerra por atentado contra a dignidade pessoal.
Neste processo – que o tribunal considerou “complexo e prolongado” - foram ouvidas 189 testemunhas e analisadas cerca de 13.000 páginas de documentos.
Esse arrastamento do processo não impediu, no entanto, o ICTR de voltar a fazer história: depois de ter sido o primeiro tribunal penal internacional a efectuar um julgamento pela prática de um crime de genocídio (caso Prosecutor vs. Akayesu) ele tornou-se no primeiro tribunal a condenar uma mulher por esse crime.
Miguel Salgueiro Meira
Publicado no "Boletim da Ordem dos Advogados", nº 79/80, Junho/Julho de 2011, pag. 46.
quinta-feira, 9 de junho de 2011
A crise económica e financeira global, aliada às políticas erradas e conjunturais de sucessivos governos, deixaram o nosso país na dependência da ajuda financeira internacional, sujeitos às exigências dos mutuantes.
A redução da despesa pública e demais restrições financeiras impostas ao Estado Português como condição para a concessão daquela ajuda financeira vão ter graves consequências económicas e sociais, e antevêem-se anos difíceis para as famílias portuguesas.
Contudo, e como diz o ditado, “Há males que vem por bem” e a chegada da troika poderá ser uma boa oportunidade para implementar reformas estruturais que o nosso país há muito necessita mas que as forças políticas têm sucessivamente adiado, no habitual tacticismo eleitoralista de disputa pelo poder.
O nosso Estado é, em muitos aspectos, um estado obsoleto, com uma estrutura administrativa e judicial ultrapassada, incapaz de dar resposta rápida e eficaz às exigências da vida moderna e de tornar Portugal um país competitivo.
As verdadeiras reformas que o nosso país necessita para se modernizar afectarão necessariamente o modus vivendi da população portuguesa, há décadas sedimentado e interiorizado, e dificilmente serão implementadas sem que haja resistência e contestação social. Esse é, de resto, um dos motivos pelos quais nenhum dos partidos políticos que até hoje ocuparam a cadeira do poder teve a coragem de efectuar as reformas necessárias. Um bom exemplo disso mesmo, foi a recente oposição manifestada pelo PS e pelo PSD a uma reforma do mapa autárquico, com a necessária redução do número de autarquias locais existentes. O medo de perderem poder político, faz com que os partidos abdiquem das reformas que o País precisa.
Por isso mesmo, a exigência de reformas por parte da troika poderá ser uma oportunidade de ouro para reformarmos e modernizarmos o nosso país, que não deverá ser desperdiçada.
No entanto, aquilo que aparentemente parece ser uma vantagem poderá, a final, revelar-se uma tragédia.
Pior do que não fazer reformas é fazer reformas erradas e irreflectidas.
Reformar implica conhecer a realidade existente que se pretende alterar, equacionar os seus efeitos e o modo de reacção da população a essas reformas, para que o resultado final seja o pretendido e não inesperado.
É, por isso, fundamental que as reformas sejam pensadas e ponderadas e que nada seja decidido em cima do joelho e de formar precipitada, sob pena de se tornar “pior a emenda que o soneto”.
Essa é, sem dúvida alguma, uma das facetas mais preocupantes que as imposições da troika nos trazem.
Se é certo que é necessário implementar urgentemente medidas que revertam o caos financeiro e económico em que fomos lançados, não é menos certo que as reformas da organização administrativa, económica e judicial implicam uma reflexão séria que pondere as causas dos problemas existentes, os objectivos que se pretendem alcançar e os meios adequados para os atingir.
E se é verdade que já nos comprometemos a atingir determinados objectivos no memorando assinado com a troika, também é certo que há sempre mais do que uma maneira de se atingirem objectivos.
As verdadeiras reformas que necessitamos demorarão décadas a ser implementadas e a dar frutos.
Não poderão ser reformas precipitadas, feitas à pressão e sem qualquer ponderação, traçadas por quem não conhece a realidade nacional.
É da realização dessas reformas estruturais, e não do dinheiro que nos vai ser emprestado, que dependerá o sucesso futuro do nosso País.
Se não aproveitarmos essa oportunidade limitar-nos-emos a decalcar o exemplo da Grécia.
Não valerá a pena sacrificar mais uma vez o nosso povo para que tudo permaneça na mesma.
Miguel Salgueiro Meira
Publicado parcialmente na edição de 12 de Junho de 2011 do jornal "PÚBLICO", pag. 34.