Depois do “sim” irlandês ao Tratado de Lisboa foi a vez da Polónia ter procedido à sua ratificação.
Aguarda-se agora a assinatura pelo Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, da lei de ratificação, que permitirá a entrada em vigor do referido Tratado.
Essa entrada em vigor é tão importante para a reforma das instituições comunitárias como o será para que se torne vinculativa a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
Se assim acontecer, as instituições e orgãos da União Europeia bem como os Estados-membros (quando apliquem o direito da União) ficam obrigados a respeitar as disposições daquela carta, podendo os cidadãos reagir contra eventuais violações dos direitos fundamentais aí consagrados.
A assinatura e proclamação da CDFUE pelo Parlamento Europeu, pela Comissão e pelo Conselho, por ocasião do Conselho Europeu de Nice, em Dezembro de 2000, foi o culminar de um esforço empreendido ao longo de décadas para a obtenção de um instrumento jurídico próprio de tutela dos Direitos Fundamentais no seio da União Europeia.
O processo de construção e integração europeias teve na sua génese uma abordagem de natureza essencialmente económica que visava, em última análise, a criação do mercado comum europeu.
A tutela dos Direitos Fundamentais esteve arredada das preocupações iniciais da integração europeia.
Contudo, à medida que foram surgindo os primeiros actos jurídicos comunitários lesivos de direitos fundamentais, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias teve que se pronunciar sobre a problemática dos direitos fundamentais na ordem jurídica comunitária.
Tendo, inicialmente, prosseguido uma abordagem restritiva de protecção dos direitos fundamentais no âmbito da aplicação do direito comunitário, aquele tribunal começou, a partir da década de 60, a inverter esse entendimento.
Começando pelo acordão Stauder - em que se consideraram os direitos fundamentais como parte integrante do corpo de princípio gerais de direito comunitário a que era devido respeito -, o novo entendimento acerca da protecção dos direitos fundamentais nas Comunidades Europeias foi consolidado pelo acordão Nold em que aquele tribunal considerou que o quadro de protecção dos direitos fundamentais no direito comunitário era constituido não apenas pelas Constituições nacionais, mas também pelos instrumentos jurídicos internacionais relativos à protecção daqueles direitos de que os Estados-Membros fossem parte.
Com esta nova jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, os direitos fundamentais passaram a integrar as fontes de direito comunitário, entendidos como princípios gerais de direito.
Pese embora esta evolução positiva da jurisprudência do orgão jurisdicional da União Europeia, era claro que o caracter genérico, vago e não escrito dos princípios gerais de direito punha em causa a certeza acerca do conteúdo e efectividade dos mesmos.
Começou, então, a debater-se o modo de garantir, de forma efectiva, a protecção dos direitos fundamentais no quadro jurídico da comunidade.
O alargamento da União Europeia aos Estados do Leste Europeu – onde, em alguns casos, havia dúvidas acerca do respeito pelos direitos humanos – aumentou essa preocupação.
Surgiram duas correntes: uma que defendia a adopção de um catálogo de direitos fundamentais próprio da União Europeia; e outra que previa a adesão da Comunidade Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, através do Parecer 2/94 (de Março de 1996), entendeu que não era possível à Comunidade Europeia aderir à CEDH sem que se procedesse a uma alteração do seu Tratado constitutivo.
Isto levou a que a corrente que defendia a adopção de um catálogo próprio de direitos fundamentais se impusesse como o modo mais eficaz para obter a protecção daqueles direitos.
No Conselho Europeu de Colónia foi aprovado o princípio da elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, como condição fundamental para o reforço da legitimidade da União.
E foi finalmente no Conselho Europeu de Nice, de Dezembro de 2000, que aquela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi assinada e proclamada.
Porém, essa proclamação não gerou, por si só, vinculatividade, a qual ficou relegada para momento posterior.
Será precisamente com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa que a CDFUE passará a ter força jurídica vinculativa e assegurará aos cidadãos europeus protecção contra as violações dos direitos fundamentais perpetuadas pelas instituições comunitárias bem como pelos Estados-Membros, quando apliquem direito comunitário.
Parece ser isso o que preocupa o Presidente da República Checa.
Ao não ter ainda ratificado o Tratado de Lisboa, Vaclav Klaus é o último entrave a uma tutela efectiva de protecção dos direitos fundamentais na União Europeia.
Miguel Salgueiro Meira
(publicado parcialmente na edição do dia 18 de Outubro de 2009 do jornal PUBLICO, pag. 30)
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
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