À ESPERA DO MESSIAS.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O País foi a banhos.

As toalhas estenderam-se sobre as areias cálidas das nacionais praias, assistindo a anorécticas elegâncias e mórbidas obesidades.

Bonitas roupas vestiram lusas divas que, bronzeadas a praia e jet-bronze, se desfilaram em bares e clubes “in”, na esperança de virem a encher páginas de revistas cor-de-rosa.

Milhares de pessoas entraram e saíram do país em voos fretados por dezenas de companhias aéreas à porta da falência.

Ao país chegaram, em anual e periódico retorno, os compatriotas exilados pela economia, desfiando-se em elaborados lamentos contra a lusa pátria, criticando tudo e todos, misturando a língua de Camões com a de Balzac, num acto próprio de quem necessita de se justificar da prolongada ausência da terra Natal.

Os incêndios calcorrearam serras e montes, destruindo parques naturais, bosques e matas – mas sobretudo mato -, só parando quando nada mais havia já para arder.

Iniciou-se a actividade política, fretando-se autocarros que se encheram com militantes vindos de longe para dar mais colorido às réentrées e as tornar mais televisivas. Realismo: pouco. Demagogia: a do costume.

Mas agora que Agosto se vai, a fantasia esvai-se e tudo retornará à normalidade e à realidade: a crise, o orçamento, as falências, o desemprego, etc….

Habituados e alimentados, durante mais de vinte anos, a crédito fácil, fundos comunitários e subsídios, os portugueses não se vêem a fazer sacrifícios e poucos estão dispostos a fazê-los.

Pouco dados ao uso do pensamento e mais preocupados como os resultados da “bola”, depositam as suas esperanças num político que há-de vir – qual Messias – equilibrar as contas do País e permitir-lhes a vida fácil que até aqui tiveram.

Dificilmente encontraremos por cá tal Messias.

De qualidade geralmente medíocre, há muito que os dirigentes políticos que por cá se passeiam se assemelham mais a líderes de seitas com o seu séquito de fiéis seguidores (do cartão partidário), quais hienas procurando levar o último pedaço comestível de um ser já defunto.

A emenda tem resultado sempre pior do que o soneto.

A ver vamos onde isto vai dar….



Miguel Salgueiro Meira

Publicado na edição de 28 de Agosto de 2010 do jornal "Expresso" ("Carta da Semana"), pag. 38

ONDE ESTÁ O HUMANITARISMO?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


O dia 19 de Agosto foi escolhido pela Assembleia Geral das Nações Unidas como a data comemorativa do Dia Mundial Humanitário.
Pretendeu-se homenagear todos os trabalhadores humanitários e funcionários das Nações Unidas que perderam as suas vidas trabalhando em prol da causa humanitária, apoiando as vítimas de conflitos armados.
Ano após ano as Nações Unidas desdobram-se em múltiplas missões, procurando assegurar às populações civis desprotegidas, vítimas dos conflitos armados, as condições mínimas de existência com dignidade humana.
No entanto, são inúmeros os problemas com que essas missões se deparam.
A falta de recursos materiais e humanos são um problema efectivo.
Mas a brutalidade e a falta de humanidade dos combatentes e dos seus líderes são problemas bem maiores, que tantas vezes põe intencionalmente em causa a segurança dos trabalhadores humanitários e a existência digna daqueles que eles visam proteger.
As Convenções de Genebra de 1949 - cerne do direito internacional humanitário - são hoje consideradas costume internacional, sendo vinculativas para todos os Estados, tenham ou não ratificado as mesmas.
No entanto, a criminalização de infracções graves nelas prevista não tem sido suficiente para dissuadir os indivíduos da prática de violações grosseiras dos direitos humanos de combatentes e vítimas civis de conflitos armados um pouco por todo o Mundo. Tão pouco tem sido assegurado o julgamento e punição de todos os seus violadores.
Frequentemente são bombardeados alvos civis (numa clara violação do princípio da distinção), ataques, esses, a que depois eufemísticamente se chamam “danos colaterais”.
Com frequência se usam armas que provocam sofrimentos desnecessários no ser humano, quando os objectivos militares poderiam ser atingidos com armamento menos nocivo, evidenciando, assim, um desrespeito pelo princípio da proporcionalidade.
Um pouco por todo o Mundo, os trabalhadores humanitários são ameaçados e intimidados pelas partes em confronto, procurando impedi-los de desempenharem normalmente as suas funções.
Onde está a humanitarismo quando Israel bombardeia bairros residenciais em Gaza com bombas de fósforo branco?
Onde está o humanitarismo quando o Hamas ou as Brigadas Al-Aqsa fazem explodir bombas dentro de autocarros pejados de civis em Jerusalém, sem destruir qualquer alvo militar ou político?
Onde está o humanitarismo quando os Estados Unidos da América torturam há anos em Guantánamo indivíduos que dizem ser suspeitos de terem cometido actos terroristas, sem os submeter a julgamento?
Onde está o humanitarismo quando na província de Osh, no Quirguistão, são arbitrariamente detidos para interrogatório e torturados cidadãos Uzbeques?
Onde está o humanitarismo quando no Darfur Ocidental e no leste do Chade são sequestrados membros do Comité Internacional da Cruz Vermelha, que se limitavam a prestar auxílio às populações civis vítimas das hostilidades?
Onde está o humanitarismo quando um ataque militar provoca a morte e ferimento de dezenas de médicos, professores e recém-licenciados numa cerimónia de formatura de estudantes na Universidade de Banadir, na Somália?
Onde está o humanitarismo quando se desencadeia um ataque armado a uma festa de casamento na província de Kandahar, no Afeganistão, fazendo mais de cem mortos e feridos?
Onde está o humanitarismo quando diariamente são recrutadas dezenas de crianças para integrarem as fileiras de conflitos armados?
Onde está o humanitarismo quando se ataca uma frota carregando ajuda humanitária?
Há muito que os Estados se arregimentaram em grupos, pondo de um lado os estados “párias” e de outro os estados “aliados”.
Enquanto chefes de estado e combatentes de determinados países são procurados, julgados, punidos e executados por graves crimes contra a humanidade, outros, porém, são deixados ad eternum no tranquilo reino da impunidade, muito embora se tratem de nacionais de estados reincidentes em violações graves de direito internacional humanitário.
Muitos países, por conveniências políticas ou económicas, foram primeiramente considerados estados “aliados” (não obstante grosseiras violações de direitos humanos que aí eram cometidas e conhecidas) passando, posteriormente e por idênticos motivos, à condição de estados “párias”. Mas isso são contas de outro rosário…
A dignidade humana de combatentes, civis e dos trabalhadores humanitários não é distinta consoante os mesmos são nacionais ou prestam auxílio a cidadãos de estados “aliados” ou de estados “párias”.
O tratamento humano é devido a todo e qualquer ser humano, sem distinção de qualquer tipo.
No entanto, se muitos chefes de estado têm sido submetidos (e bem) a julgamentos em tribunais penais internacionais por violações graves de direito internacional humanitário, a verdade é que outras violações bem conhecidas e reiteradas do mesmo direito, cometidas por estados “aliados”, têm permanecido impunes.
E mais: chefes de estado desses países têm vindo a público defender as condutas criminosas dos seus exércitos.
Como é evidente, quem assim é defendido sente o caminho livre para continuar a cometer crimes …
Enquanto tal acontecer o humanitarismo continuará pelas ruas da amargura.
Se os estados não punirem os indivíduos sob a sua jurisdição que cometerem crimes de direito internacional humanitário deverão outros estados tomar essa iniciativa.
Baltasar Garzon é um bom exemplo que se distinguiu pela coragem de assumir essa iniciativa.
Em matéria de direito internacional humanitário o princípio é o da jurisdição universal.
O princípio aut dedere aut judicare, consagrado nas Convenções de Genebra, não pode ser apenas uma previsão normativa despida de aplicação prática.
A obrigação de o Estado perseguir e julgar todos os infractores daquelas convenções nos seus tribunais ou de os enviar a outro Estado para que sejam julgados tem que ser efectivamente assumido e seriamente exigido.
Só assim os trabalhadores humanitários, combatentes e civis vítimas de conflitos armados terão mais garantias de protecção.
Só assim fará sentido celebrar o Dia Mundial Humanitário.
De outro modo, essa celebração não passará de uma comemoração vazia, apenas para marcar calendário.


Miguel Salgueiro Meira