Portugal condenado por violação da liberdade de expressão em desfile de Carnaval

terça-feira, 20 de outubro de 2009


O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou por unanimidade que Portugal violou a liberdade de expressão de um cidadão português num desfile de Carnaval.

O caso remonta ao Carnaval de 2004 quando Ricardo Alves da Silva desfilou no Carnaval com um “cabeçudo” que representava o presidente da Câmara de Mortágua, acusando-o de corrupção.

O “cabeçudo” ostentava um anagrama do nome do autarca e levava um saco azul, símbolo de corrupção, enquanto o veículo que o transportava difundia uma mensagem satírica.

O presidente da Câmara depôs uma queixa contra Ricardo Alves da Silva por difamação, que acabou por ser condenado a uma multa de 4.445 euros. Alves da Silva recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que lhe deu razão e condenou Portugal a reembolsar os de 4.445 euros, além de uma indemnização de 4.000 euros por danos morais.

O Tribunal considerou que a condenação foi “desproporcionada” dado que a intenção de Alves da Silva era “evidentemente satirizar” uma situação no âmbito do Carnaval.

Fonte: SIC

Oficiais da GNR estão a preparar uma revolta.

Os oficiais da Guarda estão de paciência esgotada. O novo estatuto aprovado pelo Governo impede-os de progredir na carreira. Planeiam protestos. Chamam-lhe 'a nossa revolução'
Os cerca de 400 oficiais da GNR, formados na Academia Militar, estão a preparar a mais dura e ameaçadora "revolta" de que há memória nesta força de segurança. Os alvos são o Governo e o comandante-geral da GNR, general Nélson Santos.
O primeiro porque aprovou um estatuto que bloqueia o acesso destes oficiais ao quadro de oficiais generais (ver texto em baixo), mantendo o Exército em posições de comando de uma força de segurança, situação inédita em toda a Europa. Nélson Santos por entender que, sendo oficial do Exército, não intercedeu por eles na discussão do novo estatuto que saiu em Diário da República, na semana passada.
Quando leram o estatuto publicado e perceberam que nenhuma das suas sugestões tinha sido acatada, de imediato foram desencadeadas, quer na blogosfera quer em reuniões, debates sobre os passos que deviam ser dados.
"A paciência tem limites', escreve um dos dinamizadores das acções de protesto num blog de acesso reservado criado há uma semana só para estes oficiais trocarem ideias. "Está na hora de arregaçarmos as mangas. Está na hora de fazermos a nossa 'Revolução', de mostrarmos o nosso descontentamento e dos militares que temos sob o nosso comando", avisa este oficial.
Nas últimas semanas, representantes dos 14 cursos de oficiais da academia organizaram várias reuniões secretas, quase todas em instalações das Forças Armadas, nas "barbas" do "inimigo". Em média, estiveram presentes meia centena de oficiais em cada encontro, em representação de cada ano de curso ou das suas unidades. Têm de manter anonimato porque a sua condição militar não lhes permite contestações profissionais, a não ser que sejam dirigentes associativos.
Por isso mesmo, uma das iniciativas que está a avançar é formar uma nova associação profissional, que defenda os interesses dos oficiais da academia. Mas esta é, apesar de ser um passo de grande significado institucional, a menos radical das iniciativas que estão em cima da mesa.
Os oficiais pretendem, por exemplo impugnar judicialmente o novo estatuto, alegando que não foi ouvido o Conselho Superior da Guarda, órgão que reúne representantes de todos os postos e associações profissionais. Mais extremadas são as acções que, segundo fontes das reuniões, podem "sem violar a lei, prejudicar seriamente o funcionamento da GNR e do País". Entre elas, cumprir "apenas o horário de referência; não haver voluntários para as missões internacionais, ou desencadear operações de fiscalização em simultâneo em todos os comandos".
Os ânimos estiveram acesos e os ecos chegaram a José Manageiro, presidente da Associação de Profissionais : "A GNR está em brasa. Nunca vi nada assim nos meus anos de dirigente associativo. Os nossos comandantes estão revoltados e isso tem uma força e um impacto difíceis de prever."


Por Valentina Marcelino, in Diário de Notícias, 20 de Outubro de 2009.

Rui Teixeira: Associação dos Juízes tentou interferir em legislativas - Noronha do Nascimento

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lisboa, 19 Out (Lusa) - O presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) considerou hoje que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) "exponenciou" o caso da avaliação do juiz Rui Teixeira devido, nomeadamente, às eleições legislativas.
O juiz conselheiro Noronha do Nascimento escreve em editorial do último boletim informativo do CSM que a problemática da responsabilização dos juízes por erro judiciário foi potenciada, nomeadamente, pela ASJP, porque estavam à porta três eleições quase seguidas: legislativas, para a presidência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e para o CSM.
"Nessa medida, a direcção nacional da ASJP resolveu entrar em campanha em todas elas, sabendo-se como se sabe que tentar interferir em eleições político-partidárias traz normalmente a prazo efeitos corrosivos que dificilmente se apagarão", diz Noronha do Nascimento no editorial, a que a agência Lusa teve hoje acesso.

DIA EUROPEU CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS

domingo, 18 de outubro de 2009

Hoje é o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos e faz- -se o primeiro balanço do fenómeno em Portugal. Foram sinalizadas 231 vítimas, a maioria usadas na prostituição. Os homens trabalham ou furtam


Três em cada quatro vítimas de tráfico em Portugal são mulheres. Em geral, brasileira, solteira, com 30 anos e que está ilegal. Um familiar, ou amigo, ou um amigo do amigo, prometeu-lhe um bom emprego, mas coloca-a num bar de alterne no Norte de Portugal. Fica sem documentos, é ameaçada e vigiada por portugueses. É o perfil da vítima para fins de exploração sexual. Os 25% que sobram são homens, mais velhos e que são recrutados para fins laborais ou para praticarem crimes (furto).

As mais duas dezenas de vítimas sinalizadas são, posteriormente, acompanhas pelas autoridades, até para se chegar às redes de tráfico. Mas o difícil é provar a condição de "escravo", sobretudo as que são transaccionadas para exploração sexual. Desde que há monitorização, 2008, sinalizaram 231 vítimas e só confirmaram 41.

São os primeiros números oficiais da dimensão do tráfico de seres humanos em Portugal. A informação, a que o DN teve acesso, é trabalhada pelo Observatório sobre o Tráfico de Seres Humanos, criado em 2008, e será hoje apresentada, no Porto, para assinalar o Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos.

Entre as 231 situações com sendo de tráfico de seres humanos, 46 registaram-se nos primeiros seis meses deste ano. E, embora só tenham confirmado 18% (decorrem as investigação), são todos relevantes para a compreensão do fenómeno, justificam Paulo Machado, chefe de equipa do Observatório, e Manuel Albano, coordenador para o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos. E, sublinham: "Esses casos sugerem sempre situações em que as manifestações de discriminação social, de ilicitude, muitas vezes de violência de género, bem como de outros tipos de crimes, estão presentes".

Traçam o perfil das vítimas deste negócio, considerado um dos mais lucrativos do século e que vitima 2,4 milhões de pessoas todos os anos. Mas os dados do Observatório, também, revelam que há vítimas para fins de exploração sexual oriundas de uma dúzia de países, nomeadamente da Europa de Leste e Central e de África de língua portuguesa. E que há uma maioria de mulheres entre os 22 e 38 anos.

Alguém lhes acena no país de origem com a promessa de um emprego. Metem-se num avião para Lisboa ou outra cidade europeia, viajando em outro meio de transporte até chegar ao destino. Uma vez cá são colocadas numa casa de alterne, onde são controladas por portugueses. E uma informação que confirma a complexidade do sistema, é a de que "as vítimas são recrutadas por círculos de sociabilidade, amigos ou familiares".

A situação dos homens é diferente. Estes constituem a maioria das situações de tráfico confirmadas e viajam acompanhados para Portugal, onde obrigados a trabalhar dez e mais horas diárias. Ou obrigam-nos a praticar furtos.


Por Céu Neves, in Diario de Notícias, 18 de Outubro de 2009

Discurso proferido por Navy Pillay, na 12ª Sessão Especial do Conselho de Direitos Humanos, em 15 de Outubro de 2009

sábado, 17 de outubro de 2009




Mr. President,
Distinguished Members of the Human Rights Council,
Excellencies,
Ladies and Gentlemen,

The human rights situation in the occupied Palestinian territory (the OPT) remains of grave concern. There is strong evidence indicating that all parties to the conflict—in different ways and with different effects—have committed and continue to commit serious violations of international human rights and humanitarian law. Many of these violations have been documented in my report to your last regular session, which I also submit today for your consideration.

Allow me to discuss two issues that require all our attention, namely the situation in East Jerusalem and the continuing blockade of Gaza.

In the past weeks, there have been numerous clashes in and around the Al Aqsa Mosque in Jerusalem. The stringent restrictions imposed by Israel on Palestinians wishing to enter this Mosque must be lifted in order for members of the Palestinian community to exercise their right to worship.

In East Jerusalem home demolitions continue. My Office has called for an immediate halt to the recent wave of eviction orders and demolitions of Palestinian houses in the occupied territory. OHCHR views these practices as violations of both international humanitarian law and of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Despite condemnation expressed by the international community, the tragedy of losing their homes continues to be inflicted on many Palestinian families.

Excellencies,

Turning now to the situation in Gaza, I wish to express once again my dismay at the continuing blockade that severely undermines the rights and welfare of the population there. The living conditions of Gazans keep deteriorating as a result of restrictions on the import of services and goods, including basic food and fuel supplies. The blockade prevents the delivery of essential building materials and thus hampers the reconstruction of homes and infrastructure destroyed during Israeli military attacks in December 2008 and January 2009. It constitutes collective punishment of the Gaza population, in violation of international law. It must be lifted. Israel must allow the free movement of goods and people into and out of Gaza and between Gaza and the West Bank.

A culture of impunity continues to prevail in the occupied territories and in Israel in relation to violations of international humanitarian law and international human rights law. I have pointed this out in my report to this Council. The United Nations Fact Finding Mission on the Gaza Conflict, led by Justice Goldstone, made a similar assessment.

Let me take this opportunity to reiterate my support for the recommendations of the Fact Finding Mission, including its call for urgent action to counter impunity. I encourage the Council and the broader international community to give full consideration to the Fact Finding Mission's report. I also wish to underscore the necessity for all parties to carry out impartial, independent, prompt, and effective investigations into reported violations of human rights and humanitarian law in compliance with international standards.

For those in detention, the widespread recourse to military justice systems, which do not meet international standards of due process, remains of grave concern. Due process and the rights of those in any form of detention must be respected at all times.


Mr. President,

Accountability for breaches of international humanitarian law and for human rights violations, as well as respect for human rights, are not obstacles to peace, but rather the preconditions on which trust and, ultimately, a durable peace can be built.

The reactions from victims and concerned people and organizations to the postponement by this Council of its deliberations are compelling evidence that addressing impunity for human rights and international humanitarian law violations is essential to preventing further violence and shoring up the peace process. I encourage all Members to have a constructive role in supporting accountability for serious violations.

In seeking a political solution to the decades-long conflict, the international community must anchor its efforts in international law, in particular international human rights and humanitarian law.

To conclude, all human rights are equal for all human beings, and no party can claim that, in defending or supporting its own population, it is allowed to disavow the rights of others. All parties have an obligation to respect the human rights of their own people, of their own neighbours, of all.

Let me reiterate that respect for human rights is an imperative in building a solid foundation for both justice and peace. I hope you will emphasize this basic principle in your deliberations.

Thank you.

Aristóteles, visita de casa da minha avó.

Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de ser
contra a maneira do tempo
esta maneira de ver
o que o tempo tem por dentro.
Aristóteles diria
entre dois goles de chá
que o melhor ainda será
deixar o tempo onde está
pô-lo de perto no tema
e de parte na poesia
para manter o poema
dentro da ordem do dia.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só.
Ele sabia que o poeta
depois de tudo inventado
depois de tudo previsto
de tudo vistoriado
teria de fazer isto
para não continuar
com que já estava acabado
teria de ser presente
não futuro antecipado
não profeta não vidente
mas aço bem temperado
cachorro ferrando o dente
na canela do passado
adaga cravando a ponta
no coração do sentido
palavra osso furando
pele de cão perseguido.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de riso
que é a mais original
forma de se ter juízo
e ser poeta actual.
Aristóteles, visita
da casa da minha avó,
também diria antes só
do que mal acompanhado
antes morto emparedado
em muro de pedra e cal
aonde não entre bicho
que não seja essencial
à evasão da palavra
deste silêncio mortal.


José Carlos Ary dos Santos 

Conselho dos Direitos Humanos aprova relatório sobre crimes cometidos em Gaza

Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas adoptou esta manhã, por larga maioria, as conclusões do relatório Goldstone, que acusa tanto Israel como o movimento palestiniano Hamas de terem cometido crimes de guerra durante a última ofensiva em Gaza.

Vinte e cinco dos 47 países representados no organismo votaram a favor da resolução apresentada pelos palestinianos e que, entre outros pressupostos, critica Israel por não ter colaborado com a missão liderada pelo juiz sul-africano Richard Goldstone. Seis países (incluindo EUA, Itália e Holanda) votaram contra o documento e onze abstiveram-se.

O relatório, divulgado no mês passado, recomenda que o Conselho de Segurança das Nações Unidas entregue o caso ao Tribunal Penal Internacional se, no prazo de seis meses, Israel ou a Autoridade Palestiniana não conduzirem investigações apropriadas às atrocidades que lhes são imputadas.

O magistrado detectou inúmeras violações dos direitos humanos cometidas pelas duas partes durante as três semanas da ofensiva, lançada por Israel para pôr fim ao disparo de “rockets” contra o seu território, e que causou a morte de mais de 1400 palestinianos, na sua maioria civis.

Israel repudiou as conclusões do magistrado e avisou que a continuação deste processo na ONU poderá enterrar as esperanças de um reinício das negociações de paz promovidas pela Casa Branca.

A Autoridade Palestiniana já se congratulou com a decisão, dizendo esperar que “o relatório seja agora levado ao Conselho de Segurança”. Também o Hamas – que ignorando as acusações que lhe são feitas se refere ao relatório como uma vitória para o povo palestiniano – diz esperar que “a votação conduza a um processo contra os líderes da ocupação”.

In PUBLICO, 17 de Outubro de 2009

Vaclav Klaus: último entrave a uma tutela efectiva de protecção dos direitos fundamentais na União Europeia

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Depois do “sim” irlandês ao Tratado de Lisboa foi a vez da Polónia ter procedido à sua ratificação.
Aguarda-se agora a assinatura pelo Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, da lei de ratificação, que permitirá a entrada em vigor do referido Tratado.
Essa entrada em vigor é tão importante para a reforma das instituições comunitárias como o será para que se torne vinculativa a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
Se assim acontecer, as instituições e orgãos da União Europeia bem como os Estados-membros (quando apliquem o direito da União) ficam obrigados a respeitar as disposições daquela carta, podendo os cidadãos reagir contra eventuais violações dos direitos fundamentais aí consagrados.
A assinatura e proclamação da CDFUE pelo Parlamento Europeu, pela Comissão e pelo Conselho, por ocasião do Conselho Europeu de Nice, em Dezembro de 2000, foi o culminar de um esforço empreendido ao longo de décadas para a obtenção de um instrumento jurídico próprio de tutela dos Direitos Fundamentais no seio da União Europeia.
O processo de construção e integração europeias teve na sua génese uma abordagem de natureza essencialmente económica que visava, em última análise, a criação do mercado comum europeu.
A tutela dos Direitos Fundamentais esteve arredada das preocupações iniciais da integração europeia.
Contudo, à medida que foram surgindo os primeiros actos jurídicos comunitários lesivos de direitos fundamentais, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias teve que se pronunciar sobre a problemática dos direitos fundamentais na ordem jurídica comunitária.
Tendo, inicialmente, prosseguido uma abordagem restritiva de protecção dos direitos fundamentais no âmbito da aplicação do direito comunitário, aquele tribunal começou, a partir da década de 60, a inverter esse entendimento.
Começando pelo acordão Stauder - em que se consideraram os direitos fundamentais como parte integrante do corpo de princípio gerais de direito comunitário a que era devido respeito -, o novo entendimento acerca da protecção dos direitos fundamentais nas Comunidades Europeias foi consolidado pelo acordão Nold em que aquele tribunal considerou que o quadro de protecção dos direitos fundamentais no direito comunitário era constituido não apenas pelas Constituições nacionais, mas também pelos instrumentos jurídicos internacionais relativos à protecção daqueles direitos de que os Estados-Membros fossem parte.
Com esta nova jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, os direitos fundamentais passaram a integrar as fontes de direito comunitário, entendidos como princípios gerais de direito.
Pese embora esta evolução positiva da jurisprudência do orgão jurisdicional da União Europeia, era claro que o caracter genérico, vago e não escrito dos princípios gerais de direito punha em causa a certeza acerca do conteúdo e efectividade dos mesmos.
Começou, então, a debater-se o modo de garantir, de forma efectiva, a protecção dos direitos fundamentais no quadro jurídico da comunidade.
O alargamento da União Europeia aos Estados do Leste Europeu – onde, em alguns casos, havia dúvidas acerca do respeito pelos direitos humanos – aumentou essa preocupação.
Surgiram duas correntes: uma que defendia a adopção de um catálogo de direitos fundamentais próprio da União Europeia; e outra que previa a adesão da Comunidade Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, através do Parecer 2/94 (de Março de 1996), entendeu que não era possível à Comunidade Europeia aderir à CEDH sem que se procedesse a uma alteração do seu Tratado constitutivo.
Isto levou a que a corrente que defendia a adopção de um catálogo próprio de direitos fundamentais se impusesse como o modo mais eficaz para obter a protecção daqueles direitos.
No Conselho Europeu de Colónia foi aprovado o princípio da elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, como condição fundamental para o reforço da legitimidade da União.
E foi finalmente no Conselho Europeu de Nice, de Dezembro de 2000, que aquela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi assinada e proclamada.
Porém, essa proclamação não gerou, por si só, vinculatividade, a qual ficou relegada para momento posterior.
Será precisamente com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa que a CDFUE passará a ter força jurídica vinculativa e assegurará aos cidadãos europeus protecção contra as violações dos direitos fundamentais perpetuadas pelas instituições comunitárias bem como pelos Estados-Membros, quando apliquem direito comunitário.
Parece ser isso o que preocupa o Presidente da República Checa.
Ao não ter ainda ratificado o Tratado de Lisboa, Vaclav Klaus é o último entrave a uma tutela efectiva de protecção dos direitos fundamentais na União Europeia.

Miguel Salgueiro Meira

(publicado parcialmente na edição do dia 18 de Outubro de 2009 do jornal PUBLICO, pag. 30)

"Justiça seria não ter passado anos no corredor da morte"


Joaquín José Martínez, equatoriano de nascimento, trocou, em miúdo, a Espanha pelos Estados Unidos à procura de uma vida nova. Mas foi lá que quase a perdeu em 1997, aos 26 anos, condenado à morte por um duplo assassínio de que seria ilibado depois de uma campanha mundial e de muita "sorte".

Justiça? Justiça seria não o terem feito passar cinco anos na Prisão Estadual da Florida, incluindo três no corredor da morte, disse ao PÚBLICO, em Lisboa, onde veio falar, a convite da Amnistia Internacional Portugal.

Fala do que passou, dos amigos que lá deixou, mortos, da angústia que enganava lendo cartas, muitas de portugueses, das noites em que, às escuras, sussurrava com os companheiros das celas ao lado.

Hoje, aos 39 anos, é um adversário da pena de morte, luta de que fez uma espécie de profissão para ver se tira da Florida os amigos que ainda lá deixou vivos. Ao princípio perdeu a esperança. Hoje sobra dela: acredita que mais cedo do que tarde os Estados Unidos passarão para a lista dos países abolicionistas. Já dorme melhor. Mas qualquer tilintar de noite o faz saltar na cama, quando às vezes é só o fio que Mónica, a actual companheira, traz ao pescoço.

Olha com impressão para o número 202, da porta do quarto do hotel, o mesmo da cela onde esperou por um milagre. Mas abraça com entusiasmo os dias que faltam para o fim da pena de morte no mundo.

PÚBLICO - TEVE MESMO A VIDA POR UM FIO...

Joaquín José Martínez - Estive muitas vezes na minha vida perto da morte. Mas a experiência do corredor da morte da Prisão Estadual da Florida superou realmente tudo.

FOI VÍTIMA DE UMA CABALA?

Fui um bode expiatório. Precisavam de encontrar um responsável pelo crime de que me acusaram. Fui o décimo segundo. Havia mais suspeitos. As vítimas foram um rapaz, Douglas Lawson, que traficava droga, e umastripteaserde umcabaret de Brandon. Acontece que ele era filho do xerife da cidade onde as coisas aconteceram...

SIM, MAS TAMBÉM TEVE CONTRA SI PESSOAS MUITO PRÓXIMAS, COMO A SUA EX-MULHER E A SUA NOIVA NA ALTURA.

Ao princípio foi só a minha ex-mulher. Dois dias antes telefonou ao procurador para mudar o seu testemunho contra mim.

PRESSIONADA A ISSO?

Sim.

O QUE SENTIU QUANDO OUVIU A SENTENÇA DE MORTE?

Senti-me traído. E também uma agonia muito grande.

TRAÍDO?

Sim, pelo país que apoiava, pelo país em que acreditava. Eu até era a favor da pena capital, veja lá!

A CIRCUNSTÂNCIA DE SER IMIGRANTE E EQUATORIANO PESOU?

Pesou. Eu era um hispânico. Dizem muitas vezes que a questão racial não é importante, mas é.

COMO FOI CONSIGO?

No meu passaporte, eu não aparecia como equatoriano mas como espanhol. Eles comentavam: "Mais um espanhol!" Sei lá quantas vezes ouvi isso! Mas disseram coisas muito piores de "assassino" em diante...

E QUEM É QUE LHE CHAMAVA ISSO?

A polícia, os guardas.

MAS O SEGUNDO JULGAMENTO ESCLARECEU TUDO.

Sim. A minha ex-mulher voltou atrás. A minha noiva também. E o mesmo aconteceu com doze presos que tinham assinado declarações contra mim.

TAMBÉM CONSTRANGIDOS?

Todos escreveram nos testemunhos que tinham sido aliciados com a promessa de uma redução das penas. Um dos que acabaram por dizer a verdade foi morto depois. Chamava-se Neil Ebling.

MORTO, COMO?

Ele cumpria quatro anos. Disseram-lhe que se testemunhasse contra mim lhe reduziam a pena, que faria só quatro anos, numa prisão do Alasca, e seria solto. Mas ele enviou uma carta a contar tudo. Foi morto, a tiro, no dia 1 de Janeiro de 2001, quando, segundo a polícia, tentava escapar.

NO SEGUNDO JULGAMENTO DECLARARAM-NO "NÃO CULPADO". POR QUE NÃO "INOCENTE"?

Nunca o fariam. Porque com isso reconheceriam que tinham cometido um erro. Ora, os norte-americanos não cometem erros... [Ri-se] Muita gente pergunta porque é que falo assim. Acontece que vivi muitos anos nos Estados Unidos e sei como são os americanos. Fui um deles, sabe? Não, eles não cometem erros...

MAS NÃO SENTE QUE ACABOU POR SE FAZER JUSTIÇA?

Não. Isso é o que dizem os diplomatas. Estendem-me a mão, sorriem e dizem que se fez justiça, de outro modo não estaria livre.

O QUE É JUSTIÇA PARA SI?

Olhe: é dar a cada um o que cada um merece, e eu não merecia cinco anos e meio na prisão, incluindo três no corredor da morte.

PELO MEIO TEVE UM MUNDO INTEIRO A SEU LADO, OS REIS DE ESPANHA, O PARLAMENTO EUROPEU, O PAPA...

É verdade.

A CERTA ALTURA, O QUE TEVE FOI MUITA SORTE.

Ah, sim, mais sorte do que outra coisa! Houve uma combinação perfeita para me livrar, os meus pais, que se esgotaram em sensibilizar as pessoas, e osmedia, sem os quais o meu caso não seria conhecido, foram decisivos.

RECEBIA MUITAS CARTAS?

Muitas! Cartas e postais, que partilhava com os outros. Recebi também muitas daqui, de Portugal, de grupos da Amnistia Internacional de Lisboa, do Porto. Impressionante, o que fizeram por mim! Chegavam aos montes! Às vezes perguntam-me para que é que isso serviu na prática. Para quê? Faziam-me sentir forte! As pessoas cá fora não podem entender.

COMO É O CORREDOR DA MORTE? É ASSIM UM PISO FRIO, COMPRIDO E DE LUZES MORTIÇAS?

É pior. Quando lá cheguei tinham queimado um homem, um ou dois meses antes, na cadeira eléctrica, e o caso estava no Supremo Tribunal do estado. Todas as semanas testavam o sistema. A gente via as lâmpadas do corredor a apagarem-se e a acenderem, e tudo outra vez, como se estivesse a haver uma execução. Uma, duas, três vezes... Os juízes tinham que decidir se a cadeira eléctrica era um castigo justo e humano, ou desumano, porque nessa execução tinham saído chamas do capacete de metal do condenado.

HOUVE EXECUÇÕES ENQUANTO LÁ ESTEVE?

Logo na primeira semana, três. Numa delas, a cadeira voltou a funcionar mal. Foi então que o tribunal ordenou a sua substituição pela injecção letal.

QUE ERA O QUE O ESPERAVA...

Que era o que me esperava.

COMO ERAM AS ÚLTIMAS HORAS DOS CONDENADOS?

Nos filmes perguntam-lhes o que é que querem para a sua última refeição, não é? Na realidade, não querem nem comer.

QUANDO TEMPO ESTEVE NO CORREDOR?

Três anos.

E DURANTE ESSE TEMPO QUANTAS PESSOAS FORAM MORTAS?

Oito.

VIA-AS DA SUA CELA A CAMINHO DA SALA DE EXECUÇÃO?

Via-as, sim. Choravam e tremiam. Urinavam-se enquanto caminhavam. A minha cela ficava na esquina em que se virava para a sala - nos dois primeiros anos estive na 202, o mesmo número deste quarto [de hotel] em que estamos a falar. Na da direita estava um árabe, Akeem Muhamed, e na da esquerda, um cubano, Rigoberto Sánchez. Mas via mais: do outro lado havia uma janela para o pátio e via os familiares dos condenados a chegarem. E a seguir, a partirem.

COMO PASSAVA OS DIAS? LIA? REZAVA? É CRENTE?

Lia muitas cartas, estudava o mais que pudesse. Sim, sou crente.

O QUE É QUE ESTUDAVA?

Ciência Política.

OS PRESOS CONVIVIAM UNS COM OS OUTROS?

Éramos, no nosso pavilhão, cada um na sua cela. Ao todo, em todos os pavilhões, uns cinquenta. Saíamos duas vezes por semana para o pátio, umas ou duas horas de cada vez. Mas se estivesse a chover, não saíamos. E se o céu estivesse nublado, também não.

QUEM ERAM OS SEUS COMPANHEIROS?

A mim, como era um dos piores casos, puseram-me junto de assassinos em série e outros muito violentos. Três converteram-se nos meus melhores amigos.

DE TODOS OS DIAS QUE LÁ PASSOU, QUAL FOI O PIOR?

Aquele em que mataram o meu melhor amigo, Benny Temps. Tinha-o visto antes com a sua família, os seus filhos, a despedirem-se. Foi ainda na cadeira eléctrica. Estávamos todos a olhar para as lâmpadas, em silêncio, eram sete da manhã. Elas piscaram três vezes, apagaram-se e voltaram a acender-se.

COMO UMA TORTURA...

Era uma tortura. Desde que saí, e em minha casa, não uso lâmpadas dessas. Só de halogénio.

PERDEU A ESPERANÇA ALGUMA VEZ?

Sim, logo no primeiro mês. Estava só, sem cartas, nem visitas, nem nada. Era só o medo. Estás só e vais-te abaixo porque não sabes o que te espera. Era só o medo.


Fernando Sousa, in PUBLICO, 14 de Outubro de 2009.

Ex-condenado à morte vem a Portugal para três conferências

terça-feira, 13 de outubro de 2009


Joaquín José Martínez, equatoriano, esteve, durante quatro anos no corredor da morte nos EUA, onde aguardou execução na cadeira eléctrica.
Entretanto conseguiu provar a sua inocência não chegando a ser executado
O ex-condenado visita agora o nosso país para três conferências centradas na pena de morte em Lisboa, Porto e Coimbra nos dias 13, 14 e 15 de Outubro, respectivamente.

A CONDENAÇÃO DE MARTÍNEZ
A 26 de Janeiro de 1996, quando Joaquín José Martínez regressava de casa da sua ex-mulher após uma visita às suas duas filhas, foi abordado pela polícia com um grande aparato de carros e helicópteros. Joaquín foi então preso sob a acusação da morte de um casal de jovens, assassinado três meses antes.
Martínez foi considerado culpado e condenado à morte pelo assassinato de uma das vítimas e a prisão perpétua pela morte da outra, sendo acusado de assassinato premeditado e roubo em domicílio. O julgamento decorreu na Florida, em 1997.
O caso de Joaquín José Martinez foi largamente divulgado em Espanha, onde os seus pais conseguiram mobilizar centenas de pessoas, meios de comunicação social e diplomatas, que tiveram uma influência decisiva no desenrolar do seu processo. O Parlamento Europeu, o Senado italiano, o Rei de Espanha e o Papa João Paulo II apoiaram também os apelos, para que a sua pena fosse comutada.
No segundo julgamento, concluído a 5 de Junho de 2001, o júri absolveu por unanimidade Martínez depois de ter concluído que as provas contra ele eram insuficientes.
Joaquín José Martínez tornou-se então no 21º prisioneiro, no Estado da Florida, e o 96º detido, nos EUA, a ser exonerado desde 1973 depois de ter estado no corredor da morte.

Fonte: www.sapo.pt

Apresentação do livro "O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão - Os casos portugueses" de Francisco Teixeira da Mota

quarta-feira, 7 de outubro de 2009


O livro "O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão - Os casos portugueses", da autoria de Francisco Teixeira da Mota, será apresentado em Guimarães, a 15 de Outubro, pelas 21h45. Esta sessão contará com a presença do Bastonário António Marinho e Pinto e Carlos Magno

Detido um dos principais suspeitos do genocídio do Ruanda

Um dos principais suspeitos do genocídio do Ruanda foi detido na capital do Uganda, noticiou a BBC online.
Idelphonse Nizeyimana, então chefe dos serviços secretos, é suspeito de ter organizado o massacre de tutsis, incluindo a rainha daquela etnia, criando unidades militares especiais para pôr em prática o genocídio. Em 100 dias, em 1994, cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram mortos por milicianos hutus, incluindo a rainha tutsi Rosalie Gicanda.
Nizeyimana terá sido preso quando viajava da República Democrática do Congo para o Quénia, aparentemente com documentos de identidade falsos. Um porta-voz da polícia do Uganda confirmou a detenção e a transferência de Nizeyimana para as mãos do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, com sede na Tanzânia.
Responsáveis do Tribunal não confirmaram a prisão, mas adiantaram que Idelphonse Nizeyimana é um dos seus alvos principais, e enfrenta acusações de genocídio e crimes contra a humanidade, continua a estação britânica.


In PUBLICO, 6-10-2009

Marinho Pinto. "Ministro da Justiça não manda nada em Portugal"

terça-feira, 6 de outubro de 2009


Crítico do "formalismo bacoco" dos tribunais, do "fundamentalismo justiceiro" da investigação criminal mediatizada, do "oportunismo" dos sindicatos. Frontal como sempre, o bastonário da Ordem dos Advogados distribui críticas em todas as direcções e diz que em Portugal o ministro da Justiça é um "ministro de palha" que decide muito pouco. Marinho Pinto bate nos outros, mas admite uma autocrítica: "É muito difícil trabalhar comigo."

ACABA DE SE DEMITIR MAIS UM ELEMENTO DO CONSELHO GERAL. AS DIVERGÊNCIAS NA SUA EQUIPA TÊM-SE ACENTUADO?
Isto é muito difícil e nem todos aguentam este embate. Nós não viemos para aqui para passear, estamos a trabalhar a um ritmo duro.
MAS NÃO SE SENTE CADA VEZ MAIS SOZINHO?
Nós éramos 21, saíram cinco. Não aguentam a pedalada. As folhas secas caem das árvores. O Conselho Geral está a trabalhar e ainda agora estamos a executar uma das reformas mais emblemáticas do nosso programa, que é o exame nacional de acesso ao estágio. Vamos implementar a partir do próximo ano. Estamos a trabalhar e há pessoas que não aguentam. Eu também reconheço que é muito difícil trabalhar comigo.
POR RAZÕES DE TEMPERAMENTO?
Por muitas razões. Há pessoas que não têm paciência para aguentar os embates de que temos sido alvo. Fizeram bem em sair.
NÃO SENTE QUE AS SAÍDAS DÃO RAZÃO AOS CRÍTICOS DO SEU MANDATO?
Não, pelo contrário. Houve conselhos gerais em que saíram mais e não houve problema nenhum. Faz falta quem cá está. Estou muito orgulhoso desta equipa. Quinze membros empenhados, a fazer grandes sacrifícios mas a levar a cabo reformas importantíssimas na Ordem dos Advogados. A história há-de registar a importância destas reformas para a dignificação da advocacia e para o prestígio da justiça em Portugal. Isto é que é importante.
RECORREU AO TRIBUNAL PARA TRAVAR A ASSEMBLEIA GERAL. NÃO SERIA LEGÍTIMO QUE ALTERAÇÕES COMO A DO ESTATUTO DA ORDEM FOSSEM AMPLAMENTE DEBATIDAS? RECEIA O DIÁLOGO?
Uma pessoa que anda aí, no debate público, ia ter receio de dialogar? Nós dialogamos com quem tem uma postura construtiva, não com quem está sistematicamente numa posição de sabotagem e a fazer movimentos para destituir os órgãos legitimamente eleitos. Eu desafio alguém a dizer que o bastonário ou este Conselho Geral violou os estatutos. O estatuto não manda o bastonário ou o conselho geral ouvir ninguém sobre o exercício das suas competências. O Conselho Geral ouve se quiser. Não ouviu, é uma opção política. Violação do estatuto é daqueles que querem pronunciar-se à força sobre o exercício das competências por outros órgãos.
E PORQUE TOMOU ESSA OPÇÃO POLÍTICA DE NÃO OUVIR?
Porque sou contra referendos e posturas plebiscitárias de alterações legislativas. As alterações propostas são necessárias para executar o programa que os advogados escolheram. Quando o governo apresentar essa proposta à Assembleia da República, irá abrir-se a discussão e o debate público. A partir do momento em que o meu programa foi eleito, com aquela margem de votos, não vou sufragar novamente o programa com órgãos que estão numa postura de sabotagem e descredibilização da Ordem.
PROPOSTAS COMO A EXTINÇÃO DOS CONSELHOS DISTRITAIS…
Não estava lá essa proposta.
FOI CONTRA-INFORMAÇÃO?
Sim, e manipulação, e intoxicação. A única alteração que havia era os conselhos distritais dos Açores e Madeira passarem a designar-se conselhos regionais.
A QUE ATRIBUI ESSA MANIPULAÇÃO?
Desde que fui eleito há uma campanha contra. Havia aqui uma nomenclatura de 200 ou 300 advogados do país que achava que a Ordem era deles.
SÃO OS TAIS GRANDES ESCRITÓRIOS DE LISBOA A QUE SE REFERE PUBLICAMENTE?
Grandes e pequenos. Não tem a ver com essa dicotomia. É uma aristocracia de Lisboa que acha que a Ordem lhe pertencia e viu um advogado de Coimbra, que fala alto e grosso e os enfrenta. São pessoas que têm uma compreensão muito particular da democracia: é boa quando eles ganham e é má quando perdem. Há um sector da advocacia que ainda vive nos períodos mais obscuros da história.
PROPÔS TAMBÉM ALTERAÇÕES NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR DEPUTADOS. PORQUÊ?
Um advogado que vá para o governo, para presidente da Câmara ou para director-geral suspende a advocacia. Um deputado que vá para o Parlamento por maioria de razão deve suspender, porque vai fazer leis que podem ser do interesse directo de alguns dos seus clientes.
ACHA QUE UM DIPLOMA NESSE SENTIDO SERÁ APROVADO NA ASSEMBLEIA, ONDE MUITOS DEPUTADOS ESTÃO NESSAS CONDIÇÕES?
Acho. Se os deputados o não quiserem fazer, assumam as suas responsabilidades. Eu não actuo de acordo com o êxito das coisas, mas de acordo com a minha consciência, com valores e princípios. Perdi muitas batalhas na minha vida. Esta poderá ser ganha ou perdida. Se for perdida, atrasa uma reforma que é inevitável. Em Espanha os deputados são em dedicação exclusiva. Funções de soberania não podem ser exercidas em part time e não é legítimo arredondar os vencimentos dessa função com actividades privadas que possam estar em conflito.
TÊM SIDO MAIS FREQUENTES BUSCAS A ESCRITÓRIOS DE ADVOGADOS. HÁ UMA MUDANÇA DE ATITUDE DO PODER JUDICIAL COM OS ADVOGADOS?
A facilidade e a leviandade com que os magistrados fazem buscas em Portugal aos escritórios de advogados é aterradora. Isto levanta as piores suspeitas. Um advogado deve ser alvo de buscas quando participa na prática de um crime. Aí deve responder como qualquer cidadão. Agora a um advogado que auxilia uma pessoa suspeita de um crime a defender-se em juízo, devem respeitar-se as imunidades. Não pode vasculhar-se a correspondência com o seu cliente. Não pode fazer-se escutas. Isto é um princípio sagrado em qualquer democracia. As piores ditaduras é que actuam como estão a actuar os magistrados hoje em Portugal. Isto era o que fazia a PIDE antes do 25 de Abril. Com este fundamentalismo justiceiro, qualquer dia estão a colocar microfones nos confessionários, porque para estes arautos vale tudo para investigação criminal.
MAS NÃO SÃO SUFICIENTES AS GARANTIAS LEGAIS? AS BUSCAS A ADVOGADOS SÃO RODEADAS DE REQUISITOS E ACOMPANHADAS.
Não há garantias, porque mesmo quando os documentos são selados tudo depende depois da apreciação que uma pessoa fizer, neste caso o presidente da Relação. Quando a lei devia ser clara. Se um advogado é suspeito, constituam-no arguido e façam buscas ao escritório e a casa. Não havendo indícios, vão lá para quê? Normalmente isto acontece quando se investiga para a comunicação social. Tem de se apresentar resultados e manchetes. Não foi por acaso que quando os investigadores chegaram à sociedade Vieira de Almeida [na semana passada], os jornalistas já lá estavam. Os investigadores deviam esclarecer rapidamente quem convidou os jornalistas. Isto é vedetismo mediático de alguns magistrados.
NÃO HÁ FRONTEIRAS TÉNUES EM ACTIVIDADES COMO O PLANEAMENTO FISCAL AGRESSIVO?
A fronteira está delimitada na lei. Quando um advogado auxilia um cliente a cometer um crime, é cúmplice e responde por isso. Quando auxilia a defender-se em juízo, as suas prerrogativas têm de ser respeitadas. Se os clientes não podem confiar no advogado, a justiça é uma farsa. Aliás, já começa a ser. Hoje só por muita estupidez é que os advogados deixam vestígios no seu escritório. Estamos a voltar ao tempo do antigamente, em que os advogados não podiam ter coisas de natureza política, nos escritórios, que comprometessem os clientes.
DIZ QUE AS PRISÕES ESTÃO CHEIAS DE POBRES. NÃO VÊ NOS GRANDES PROCESSOS CONTRA A BANCA OU ENVOLVENDO POLÍTICOS QUE HAJA UMA MUDANÇA E MAIOR CAPACIDADE DA INVESTIGAÇÃO?
Conto pelos dedos de uma mão as pessoas que foram presas neste país, por esse tipo de criminalidade. No BPN, onde desapareceram dois mil milhões de euros, houve um preso preventivo. Uma mulher que furtou um pó de arroz num supermercado estava a ser julgada. No BPN desapareceram dois mil milhões, no BCP era o regabofe que sabemos… As pessoas vão morrer por limite de idade e os processos vão estar por aí.
NÃO TEM FÉ NA JUSTIÇA?
Tenho muita desconfiança nos processos que nascem nos jornais. Isso é espectáculo, não é investigação. Não conduz a nada. Transmite a ideia de que estão a fazer, mas não estão a fazer nada de útil contra a criminalidade. Hoje a investigação criminal está mediatizada em Portugal.
E DE QUEM É A RESPONSABILIDADE? DA COMUNICAÇÃO SOCIAL?
Não, a comunicação social cumpre o seu papel. Mal, mas vai cumprindo e eu prefiro a comunicação social assim do que calada. É de quem tinha responsabilidade de fazer respeitar o segredo de justiça e não faz.
TEM PARTICIPADO EM REUNIÕES A QUATRO, COM O MINISTRO DA JUSTIÇA E OS MAIS ALTOS RESPONSÁVEIS. COMO ENCARA AS CRÍTICAS DOS SINDICATOS DE QUE ESSE DEBATE DEVERIA SER ALARGADO?
Os sindicatos querem uma coisa só, todos eles: mais dinheiro e menos trabalho. E isso é válido nos estratos operários da população, mas é um oportunismo que juízes ou procuradores usem o sindicalismo para conseguirem mais privilégios. Os sindicatos não são parceiros para a Ordem dialogar. A Ordem é uma associação de direito público, que exerce competências que lhe foram delegadas pelo Estado. Dialoga com os outros pilares da justiça: o presidente do Supremo e presidente do Conselho Superior da Magistratura e o procurador-geral da República, presidente do Conselho Superior do Ministério Público.
E AS REUNIÕES TÊM SIDO ÚTEIS?
Muito úteis. Temos inventariado um conjunto de situações. Devem e vão continuar, no sentido de aprofundar os pontos em que podemos ter posições convergentes. Temos divergências assumidas e públicas, mas os consensos estabelecem-se entre quem diverge e não entre quem oculta as divergências ou varre para debaixo do tapete. Trabalhamos na mesma casa e não pode haver justiça sem juízes, advogados e procuradores. Portanto estamos condenados a entender-nos, sem que uns se julguem superiores aos outros.
QUEM É QUE SE SENTE ACIMA DOS OUTROS?
Há poderes feudais, o próprio procurador o disse - que há o marquês, o conde, a viscondessa… Na Ordem também há algumas aristocracias muito inconsoláveis com o andar dos tempos.
ESSA CULTURA CONTRIBUI PARA O DISTANCIAMENTO DO CIDADÃO EM RELAÇÃO À JUSTIÇA?
Permanentemente! Se for ao tribunal, tem de falar com o juiz de uma forma absolutamente ridícula. Fala mais à vontade com o Presidente da República, que é o supremo magistrado da nação, do que com alguns magistrados da sua idade ou mais novos. Tem que se dirigir a um magistrado como um servo, na antiguidade, se dirigia ao seu senhor. Vai pedir justiça como se fosse pedir uma graça a um senhor feudal, a um monarca absoluto. A cultura nos tribunais, hoje, é a mesma de antes do 25 de Abril.
FALTA À JUSTIÇA APROXIMAR-SE DO CIDADÃO?
A justiça é um serviço público que o Estado presta aos cidadãos, à sociedade e empresas. Tem de ser agilizada e deixar-se desse formalismo bacoco. Nos nossos tribunais tudo é superlativamente balofo. Tudo é venerandos, meritíssimos, digníssimos, ilustríssimos… Tem de haver símbolos, mas viver só de símbolos é a negação da justiça. Só se a justiça for útil à sociedade será respeitada. E muitos magistrados confundem medo com respeito. Exibem poder, exibem jactância, mas muitos estão-se marimbando para os problemas das pessoas.
ACHA QUE OS PROBLEMAS DA JUSTIÇA ESTÃO SOBRETUDO DO LADO DOS TRIBUNAIS?
Claro. E do lado do poder político que tem fomentado essa situação. Veja-se o que se passa com a desjudicialização da justiça. O advogado que agora foi assassinado em Estarreja estava num processo de partilhas. A partilha dá-se quando as partes não se entendem. Há séculos se sabe que este processo origina grandes conflitos. O que fez o governo? Retirou-o dos tribunais e passou para notários. O mesmo se passou com a acção executiva, um processo doloroso em que se retiram bens para pagar uma dívida. As reformas têm sido feitas para aumentar a comodidade dos tribunais, que qualquer dia não têm processos. Qualquer dia as pessoas nem podem ir a tribunal, até porque não conseguem pagar as custas usurárias que lhes são cobradas.
A REFORMA NÃO TORNOU AS CUSTAS MAIS BAIXAS, COMO DIZ O GOVERNO?
Não, isso é uma mentira. Em Espanha a justiça é totalmente gratuita. Porque é que aqui não é? Porque é uma forma de afastar e impedir as pessoas de ir a tribunal, para os magistrados não terem tanto trabalho. O Estado, em vez de aumentar a capacidade de resposta dos tribunais, corta nas necessidades da sociedade. E isto já está a ter consequências dramáticas.
QUAIS?
Há uns meses contabilizei 12 pessoas presas por fazerem justiça pelas próprias mãos, sobretudo em cobrança de dívidas. Pessoas presas por incendiarem os automóveis dos devedores, por sequestrarem familiares ou por espancarem e matarem os devedores. É isto que está a acontecer na sociedade portuguesa e a situação vai agravar-se, enquanto não se meter isto na cabeça dos políticos.
ESTÁ EM FORMAÇÃO UM NOVO GOVERNO. QUEM SERIA O MINISTRO DA JUSTIÇA IDEAL?
Em Portugal quem tem a pasta da Justiça é um ministro de papel, de palha. Não manda nada. Os procuradores são independentes, fazem o que querem; os juízes são independentes, fazem o que querem. As políticas de justiça não são definidas pelo ministro, são executadas por ele em parte muito pequena. Deviam ser mais definidas no Parlamento e pelo governo, mas têm sido definidas em função dos interesses dos agentes da justiça. O ministro ideal era aquele que aparecesse a executar políticas dirigidas aos interesses dos cidadãos e empresas.
O governo já anunciou correcções à reforma penal. Considera que são necessárias?
A reforma penal foi positiva e nos aspectos em que não funcionou bem foi por ser sabotada por parte de alguns sectores das magistraturas. Se a lei estabelece prazos para as partes e os advogados cumprirem e perdem os seus direitos se não os cumprirem, os magistrados que não cumprem deveriam ser punidos ou pelo menos averiguadas as razões pelas quais não cumpriram. A lei é draconiana para as pessoas e para os magistrados é o que eles quiserem, porque eles é que a interpretam. A reforma penal tentou incutir um espírito de maior responsabilidade, mas os magistrados querem ter todo o tempo do mundo.
DEPOIS DO SEU ARTIGO NA ORDEM, SOBRE O INÍCIO DO PROCESSO FREEPORT, SENTE QUE FICOU MAIS CONOTADO COM JOSÉ SÓCRATES?
Nunca fui do Partido Socialista e não devo rigorosamente nada ao PS.
MAS EM PROCESSOS MEDIÁTICOS COMO ESTE QUALQUER TOMADA DE POSIÇÃO NÃO TEM ESSE RISCO DE SER LIDA POLITICAMENTE?
Eu guio-me pela minha consciência e não pelas opiniões dos outros sobre mim. Por isso se calhar é que sou polémico. Eu fui visitar à cadeia, quando estava em prisão preventiva, o líder de extrema-direita acusado de racismo. Também pode dizer que sou apoiante do partido dele. Não me importo. Esse tipo de coisas não me desmobiliza. Aquele artigo foi uma denúncia, com factos, sobre o nascimento de um processo que deveria envergonhar a justiça portuguesa e que está aí, há vários anos, unicamente com uma função: tentar dificultar a vida a um dirigente partidário. Com base numa carta sem um único facto o Ministério Público abriu um processo para fritar em lume brando um dirigente partidário.
O MINISTÉRIO PÚBLICO AGIU POR RAZÕES INSTRUMENTAIS?
O Ministério Público há muitos anos está em guerra civil com o próprio Estado e com todos os governos. Desde que não lhes aumentem os privilégios, estão em guerra permanente.
TEM-SE FALADO EM GOVERNAMENTALIZAÇÃO, MAS ACHA ENTÃO QUE HÁ O INVERSO?
Desde o tempo de Sá Carneiro que nunca um primeiro-ministro foi tão atacado nos tribunais e na imprensa. A posição que tomei foi em defesa do Estado de direito. Eu tenho vergonha que no meu país nasçam processos assim, seja contra quem for, e que ao fim de seis anos continuem a alimentar certa comunicação social. É essa promiscuidade que denuncio, de processos que nascem para os jornais e de notícias que nascem para certos processos.
COMO VIU E INTERPRETOU O CANCELAMENTO DO JORNAL NACIONAL, NA TVI?
Com alguma apreensão, porque a administração não pode fazer isso. A liberdade de informação assenta na liberdade dos jornalistas e tanto se defende externamente como internamente, perante os proprietários dos órgãos de informação. O programa em si era execrável, não era jornalismo nem informação. Mas a liberdade de informação é como os direitos humanos, que se defendem na pessoa dos piores criminosos. Também a liberdade de imprensa tem de ser defendida nos piores exemplos do jornalismo.
ALGUMA VEZ VOLTOU A VER O VÍDEO DA SUA DISCUSSÃO COM MANUELA MOURA GUEDES?
Tentei ver, no YouTube, mas eram só cinco minutos e aquilo foi quase meia hora. Eu preparei-me para esse programa porque me disseram que ia ser entrevistado. Cheguei lá e não era entrevista nenhuma, apresentaram uma peça distorcida e parcial e quando me preparava para explicar não me deixava falar. Até que me chamou “bufo”, por fazer denúncias públicas. Bufos são os que fazem delação às escondidas.
NUNCA SE ARREPENDEU DE SE TER IRRITADO?
Nunca. Eu mantive a calma, mas é o meu estilo quando falo com convicção. E disse o que ela se calhar não esperava ouvir, cara a cara e olhos nos olhos, perante os telespectadores diante de quem quis seviciar-me moralmente.


In jornal "i", 6 de Outubro de 2009

As vulnerabilidades do Presidente

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A propósito do caso das escutas, Cavaco Silva esteve mal antes e depois das eleições.
O silêncio do Presidente da República até ao fim das eleições demonstrou uma atitude de reserva incompreensível face a gravidade dos factos propalados.
Esperava-se, pois, que a sua tão aguardada declaração pudesse esclarecer finalmente aquilo que se discutia: tinha o artigo do jornal “Público” sobre o caso das “escutas” sido encomendado pela Presidência da República para prejudicar o Governo a poucas semanas do acto eleitoral? Ou tinha o Presidente da República fundado receio de estar a ser escutado?
Cavaco Silva falou vários minutos.
No entanto, nem uma palavra proferiu acerca da notícia do jornal “Público” sobre o caso das “escutas”, cuja autoria moral lhe era imputada.
Nada ficou, assim, esclarecido sobre esse ponto.
O Presidente da República preferiu falar do email citado pelo Diário de Notícias que apelidou de “velho de 17 meses”, sem que, no entanto, se tenha mostrado chocado com o facto de esse email “velho de 17 meses” dar origem a um artigo difamatório do Governo precisamente em época de eleições.
Restava ouvir Cavaco Silva sobre o “fundado receio” de estar a ser “escutado” pelo Governo.
Neste aspecto, e para aqueles que esperavam ouvir do Chefe de Estado algo de consistente, a desilusão foi ainda maior.
Cavaco Silva disse ter ouvido (no próprio dia em que se dirigiu ao País) diversas entidades com responsabilidades da área da segurança para saber se alguém poderia aceder ao seu computador e o seu email, designadamente à informação confidencial nele contida.
E concluiu que “existem vulnerabilidades”.
Para quem lida com computadores, digamos que os responsáveis da área de segurança foram dizer ao Presidente da Republica que “inventaram a pólvora”.
Toda a gente sabe que os computadores são vulneráveis.
O que os técnicos de segurança não lhe disseram – ou se disseram Cavaco Silva não o disse aos Portugueses – é que o sistema informático da Presidência da República foi violado. E isso, a ter ocorrido, estava perfeitamente ao alcance daqueles técnicos apurar.
Digamos, pois, que “a montanha pariu um rato” e que o Presidente da República nada esclareceu do que lhe era pedido.
Tendo em conta a gravidade dos factos que lhe eram imputados e aos quais nem sequer se referiu, esteve mal Cavaco Silva.
A vulnerabilidade do Presidente da República não é, neste momento, informática: é política.


Miguel Salgueiro Meira, in Publico, pag. 52, 2 de Outubro de 2009

UMA JUSTIÇA PARA POBRES E OUTRA PARA RICOS

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

No passado mês de Agosto, o Estado português foi novamente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).
O sistema de justiça português foi, uma vez mais, o responsável por essa condenação.
Desta vez, não foram os atrasos dos nossos tribunais na realização da justiça que estiveram na génese desta nova condenação (nessa matéria tem já Portugal um vasto currículo no TEDH).
Foi algo que tem tanto de grave como de caricato e nos faz perceber porque é que o cidadão comum vai perdendo a confiança na Justiça.
A história é simples.
Por decisão do Ministério das Obras Públicas, publicada no Diário da República de 11 de Setembro de 1995, um casal viu expropriado um terreno que possuía no Alentejo, com uma superfície total de 128 619 m2, tendo em vista a construção de uma auto-estrada.
No decurso do processo de expropriação, discutiu-se se os benefícios retirados da exploração de uma pedreira existente sobre o terreno deveriam ser tomados em consideração na determinação do respectivo montante indemnizatório. Com esse fundamento, os expropriados reclamaram uma indemnização de € 20 864 292,00.
Por acórdão de 10 de Julho de 2003, o Tribunal da Relação de Évora concluíu que os benefícios decorrentes da exploração da pedreira não deveriam ser tomados em consideração e arbitrou aos expropriados uma indemnização de € 197 236,25.
Em 4 de Fevereiro de 2005, os expropriados foram notificados do montante de custas judiciais que tinham que pagar: € 489 188,42.
Ou seja: o valor de custas judiciais a pagar pelos expropriados era superior ao dobro do montante indemnizatório que tinham direito a receber!
Os expropriados reclamaram dessa conta de custas, alegando a violação dos princípios da justa indemnização e do direito de acesso ao tribunal.
O juiz do tribunal de Évora, rejeitando existirem violações daqueles princípios, reconheceu, contudo, a existência de erros de cálculo na elaboração da conta, ordenando a sua rectificação e redução para o montante de € 309 052,71.
Inconformados, os expropriados recorreram para o Tribunal Constitucional alegando que a interpretação dada às disposições Código das Custas Judiciais, nomeadamente o seu artº. 66, nº 2, era contrária aos princípios da justa indemnização e do direito de acesso à Justiça garantidos pela Constituição.
Em 25 de Setembro de 2007, o Tribunal Constitucional decidiu “Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto Lei n.º 224 A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00” e ordenou a reformulação da decisão do Tribunal de Évora em conformidade.
Note-se que o Tribunal Constitucional não considerou inconstitucional que o montante de custas a pagar consumisse, na sua totalidade, o montante da indemnização devida pela expropriação.
Dando cumprimento àquele acordão, o Tribunal de Évora decidiu que o montante de custas não devia exceder em mais de € 15 000,00 o montante indemnizatório da expropriação.
Assim, decorridos mais de 12 anos sobre o início do processo expropriativo, aquilo que o sistema de justiça português proporcionou aos cidadãos expropriados foi o seguinte: ficaram sem o terreno, ficaram sem o montante da indemnização devida pela expropriação e ainda tiveram que pagar mais € 15 000,00 de custas!
Foi esta decisão materialmente justa? Obviamente que não.
Por isso mesmo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem acaba de condenar o Estado Português a pagar aos expropriados a quantia de € 190 000,00 por danos materiais, pois entendeu haver uma violação do artº. 1º do Protocolo nº 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que garante a qualquer pessoa singular ou colectiva o respeito do seu direito de propriedade.
Mas como foi possível a decisão proferida pelos nossos tribunais?
Como é sabido, no que às custas judiciais diz respeito, vigora em Portugal o regime da taxa fixa proporcional ao valor da causa.
Quanto mais alto for o valor da acção, maior o valor das custas a pagar, mesmo que o trabalho efectivamente realizado pelo tribunal seja diminuto.
Isto acarreta o inconveniente – como aconteceu neste caso – de existir uma desproporcionalidade entre o serviço judicial realizado pelos tribunais e o seu custo.
No caso dos cidadãos expropriados, o que foi determinanente para a fixação das custas judiciais não foi o serviço efectivamente prestado pelos tribunais nem o valor da indemnização arbitrada pela expropriação, mas sim o valor do pedido efectuado na acção.
Esta ausência de ligação directa entre o valor das custas e o volume de trabalho prestado pelos tribunais gera situações absurdas. Paga-se mais pelo simples facto de se reclamar mais, mesmo que não se venha a receber o valor reclamado.
Nos últimos anos, os sucessivos governos, procurando mostrar trabalho na área da justiça, têm proclamado êxitos na redução das pendências processuais nos tribunais.
No entanto, isso não foi conseguido através da contratação de novos magistrados que auxiliem a desbloquear os tribunais congestionados.
Essa redução de pendências deve-se, por um lado, a um crescente programa de desjudicialização, que tem retirado da alçada dos tribunais a resolução de diversos tipos de conflito, forçando as partes a deslocarem-se a centros de mediação e outros meios alternativos de resolução de litígios para resolverem os seus problemas, em vez de recorrerem aos tribunais.
Por outro lado, o aumento exponencial das custas judiciais e a redução do número de situações em que é concedido o benefício de apoio judiciário por insuficiência económica, têm sido utilizados pelos governos como um elemento dissuasor do recurso ao tribunal por cidadãos que pretendem lutar pelos seus direitos.
Acresce que a capacidade de reagir nos nossos tribunais contra injustiças como aquela sofrida pelos cidadãos expropriados foi agravada recentemente com a aprovação do novo regime de custas judiciais: se alguma parte quiser agora reclamar da conta de custas judiciais, terá, no acto da reclamação, que depositar 50% do valor calculado.
No caso dos expropriados, se essa norma já estivesse em vigor, implicaria que, para reclamarem da conta de custas do tribunal da comarca de Évora, teriam que depositar (€ 489 188,42 x 50%) € 244 594,21!
Valha-nos o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, na defesa intransigente dos direitos humanos, corrigiu a injustiça cometida pelo sistema de justiça português.
Mas se o expropriado fosse um cidadão que vivesse do salário mínimo nacional, teria ele possibilidades económicas de recorrer a esse tribunal e combater a injustiça?
Há, definitivamente, uma Justiça para pobres e outra Justiça para ricos.

Miguel Salgueiro Meira