Vaclav Klaus: último entrave a uma tutela efectiva de protecção dos direitos fundamentais na União Europeia

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

 

Depois do “sim” irlandês ao Tratado de Lisboa foi a vez da Polónia ter procedido à sua ratificação.
Aguarda-se agora a assinatura pelo Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, da lei de ratificação, que permitirá a entrada em vigor do referido Tratado.
Essa entrada em vigor é tão importante para a reforma das instituições comunitárias como o será para que se torne vinculativa a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
Se assim acontecer, as instituições e orgãos da União Europeia bem como os Estados-membros (quando apliquem o direito da União) ficam obrigados a respeitar as disposições daquela carta, podendo os cidadãos reagir contra eventuais violações dos direitos fundamentais aí consagrados.
A assinatura e proclamação da CDFUE pelo Parlamento Europeu, pela Comissão e pelo Conselho, por ocasião do Conselho Europeu de Nice, em Dezembro de 2000, foi o culminar de um esforço empreendido ao longo de décadas para a obtenção de um instrumento jurídico próprio de tutela dos Direitos Fundamentais no seio da União Europeia.
O processo de construção e integração europeias teve na sua génese uma abordagem de natureza essencialmente económica que visava, em última análise, a criação do mercado comum europeu.
A tutela dos Direitos Fundamentais esteve arredada das preocupações iniciais da integração europeia.
Contudo, à medida que foram surgindo os primeiros actos jurídicos comunitários lesivos de direitos fundamentais, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias teve que se pronunciar sobre a problemática dos direitos fundamentais na ordem jurídica comunitária.
Tendo, inicialmente, prosseguido uma abordagem restritiva de protecção dos direitos fundamentais no âmbito da aplicação do direito comunitário, aquele tribunal começou, a partir da década de 60, a inverter esse entendimento.
Começando pelo acordão Stauder - em que se consideraram os direitos fundamentais como parte integrante do corpo de princípio gerais de direito comunitário a que era devido respeito -, o novo entendimento acerca da protecção dos direitos fundamentais nas Comunidades Europeias foi consolidado pelo acordão Nold em que aquele tribunal considerou que o quadro de protecção dos direitos fundamentais no direito comunitário era constituido não apenas pelas Constituições nacionais, mas também pelos instrumentos jurídicos internacionais relativos à protecção daqueles direitos de que os Estados-Membros fossem parte.
Com esta nova jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, os direitos fundamentais passaram a integrar as fontes de direito comunitário, entendidos como princípios gerais de direito.
Pese embora esta evolução positiva da jurisprudência do orgão jurisdicional da União Europeia, era claro que o caracter genérico, vago e não escrito dos princípios gerais de direito punha em causa a certeza acerca do conteúdo e efectividade dos mesmos.
Começou, então, a debater-se o modo de garantir, de forma efectiva, a protecção dos direitos fundamentais no quadro jurídico da comunidade.
O alargamento da União Europeia aos Estados do Leste Europeu – onde, em alguns casos, havia dúvidas acerca do respeito pelos direitos humanos – aumentou essa preocupação.
Surgiram duas correntes: uma que defendia a adopção de um catálogo de direitos fundamentais próprio da União Europeia; e outra que previa a adesão da Comunidade Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, através do Parecer 2/94 (de Março de 1996), entendeu que não era possível à Comunidade Europeia aderir à CEDH sem que se procedesse a uma alteração do seu Tratado constitutivo.
Isto levou a que a corrente que defendia a adopção de um catálogo próprio de direitos fundamentais se impusesse como o modo mais eficaz para obter a protecção daqueles direitos.
No Conselho Europeu de Colónia foi aprovado o princípio da elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, como condição fundamental para o reforço da legitimidade da União.
E foi finalmente no Conselho Europeu de Nice, de Dezembro de 2000, que aquela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi assinada e proclamada.
Porém, essa proclamação não gerou, por si só, vinculatividade, a qual ficou relegada para momento posterior.
Será precisamente com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa que a CDFUE passará a ter força jurídica vinculativa e assegurará aos cidadãos europeus protecção contra as violações dos direitos fundamentais perpetuadas pelas instituições comunitárias bem como pelos Estados-Membros, quando apliquem direito comunitário.
Parece ser isso o que preocupa o Presidente da República Checa.
Ao não ter ainda ratificado o Tratado de Lisboa, Vaclav Klaus é o último entrave a uma tutela efectiva de protecção dos direitos fundamentais na União Europeia.

Miguel Salgueiro Meira

(publicado parcialmente na edição do dia 18 de Outubro de 2009 do jornal PUBLICO, pag. 30)

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