O ÁLVARO DEIXOU DE SORRIR.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

 




Nascido beirão no Portugal profundo, e tendo cursado economia na mais distinta universidade do País, Álvaro Santos Pereira rumou para a América do Norte onde, entre os Estados Unidos e o Canadá, viveu anos de docência universitária leccionando aulas de Desenvolvimento Económico e Política Económica e doutorando-se na Simon Fraser University.
Durante a sua teorética vida académica, Álvaro Santos Pereira escreveu dois livros discorrendo sobre o que chamou mitos da economia portuguesa e sobre os desafios com que a mesma se debatia, nomeadamente os problemas da sua produtividade, dos salários baixos, dos imigrantes, do euro, da Europa e da crise que o país atravessava.
Passando a ser voz constante na imprensa económica nacional, o economista começou a ser conhecido.
Ganhas as eleições, Passos Coelho viu em Álvaro Santos Pereira alguém a quem confiar os destinos económicos na nação e convidou-o para Ministro da Economia.
Sem que alguma vez tivesse gerido o que quer que fosse - ocupado que sempre esteve na docência universitária -, Álvaro Santos Pereira viu subitamente cair-lhe nas mãos a responsabilidade da gestão económica da nação.
De académico e desmistificador de mitos, o actual Ministro da Economia foi incumbido de salvar a economia de um país em crise profunda a quem o FMI tinha acabado de estender a mão para o salvar da bancarrota.
Feito o convite, um animado e muito sorridente Álvaro dos Santos Pereira era visto periodicamente em entrevistas e deslocações públicas.
Mas em pouco mais de cem dias de governo o Ministro da Economia deu de caras com o país real, com as empresas a atravessar dificuldades imensas e as insolvências colectivas e individuais a sucederem-se diariamente a um ritmo avassalador.
A acrescer a isso, Álvaro Santos Pereira viu o Ministro das Finanças destruir-lhe todas e quaisquer hipóteses de reabilitar a economia nacional.
O agravamento da carga fiscal a níveis nunca antes vistos e a redução do salário anual dos trabalhadores (com os cortes dos subsídios Férias e de Natal), puseram em causa o poder de compra dos portugueses, o que terá reflexos negativos imediatos nos milhares de comerciantes, que deixarão de vender.
O agravamento para 23% da taxa de IVA na restauração, refrigerantes e congelados onerou em demasia a actividade do turismo e restauração que vive já de si aflita à espera de obter nos meses de Verão o suficiente para se manterem “vivos”durante o resto do ano.
A impossibilidade de deduzir fiscalmente as despesas com aquisição de habitação e com os novos arrendamentos consubstancia um golpe de morte no sector da construção civil que, já de si, estava moribundo.
Com tais ataques da máquina fiscal, o país prepara-se para a pior recessão desde 1975, com uma queda do PIB prevista de 2,8% e uma taxa de desemprego de 13,4%.
Perante este cenário, o Ministro da Economia pouco mais pode fazer do que mandar mensagens de alento, dizendo-nos que há vida para além da austeridade.
Mas esta crise não é um mito. As famílias portuguesas que o digam.
O Ministro da Economia também já o percebeu.
Talvez por isso, o Álvaro deixou de sorrir.


Miguel Salgueiro Meira

in edição de 20 de Outubro de 2011 do jornal "Público", pag. 38.

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