TROIKA, REFORMAS E PRECIPITAÇÃO.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

 



A crise económica e financeira global, aliada às políticas erradas e conjunturais de sucessivos governos, deixaram o nosso país na dependência da ajuda financeira internacional, sujeitos às exigências dos mutuantes.
A redução da despesa pública e demais restrições financeiras impostas ao Estado Português como condição para a concessão daquela ajuda financeira vão ter graves consequências económicas e sociais, e antevêem-se anos difíceis para as famílias portuguesas.
Contudo, e como diz o ditado, “Há males que vem por bem” e a chegada da troika poderá ser uma boa oportunidade para implementar reformas estruturais que o nosso país há muito necessita mas que as forças políticas têm sucessivamente adiado, no habitual tacticismo eleitoralista de disputa pelo poder.
O nosso Estado é, em muitos aspectos, um estado obsoleto, com uma estrutura administrativa e judicial ultrapassada, incapaz de dar resposta rápida e eficaz às exigências da vida moderna e de tornar Portugal um país competitivo.
As verdadeiras reformas que o nosso país necessita para se modernizar afectarão necessariamente o modus vivendi da população portuguesa, há décadas sedimentado e interiorizado, e dificilmente serão implementadas sem que haja resistência e contestação social. Esse é, de resto, um dos motivos pelos quais nenhum dos partidos políticos que até hoje ocuparam a cadeira do poder teve a coragem de efectuar as reformas necessárias. Um bom exemplo disso mesmo, foi a recente oposição manifestada pelo PS e pelo PSD a uma reforma do mapa autárquico, com a necessária redução do número de autarquias locais existentes. O medo de perderem poder político, faz com que os partidos abdiquem das reformas que o País precisa.
Por isso mesmo, a exigência de reformas por parte da troika poderá ser uma oportunidade de ouro para reformarmos e modernizarmos o nosso país, que não deverá ser desperdiçada.
No entanto, aquilo que aparentemente parece ser uma vantagem poderá, a final, revelar-se uma tragédia.
Pior do que não fazer reformas é fazer reformas erradas e irreflectidas.
Reformar implica conhecer a realidade existente que se pretende alterar, equacionar os seus efeitos e o modo de reacção da população a essas reformas, para que o resultado final seja o pretendido e não inesperado.
É, por isso, fundamental que as reformas sejam pensadas e ponderadas e que nada seja decidido em cima do joelho e de formar precipitada, sob pena de se tornar “pior a emenda que o soneto”.
Essa é, sem dúvida alguma, uma das facetas mais preocupantes que as imposições da troika nos trazem.
Se é certo que é necessário implementar urgentemente medidas que revertam o caos financeiro e económico em que fomos lançados, não é menos certo que as reformas da organização administrativa, económica e judicial implicam uma reflexão séria que pondere as causas dos problemas existentes, os objectivos que se pretendem alcançar e os meios adequados para os atingir.
E se é verdade que já nos comprometemos a atingir determinados objectivos no memorando assinado com a troika, também é certo que há sempre mais do que uma maneira de se atingirem objectivos.
As verdadeiras reformas que necessitamos demorarão décadas a ser implementadas e a dar frutos.
Não poderão ser reformas precipitadas, feitas à pressão e sem qualquer ponderação, traçadas por quem não conhece a realidade nacional.
É da realização dessas reformas estruturais, e não do dinheiro que nos vai ser emprestado, que dependerá o sucesso futuro do nosso País.
Se não aproveitarmos essa oportunidade limitar-nos-emos a decalcar o exemplo da Grécia.
Não valerá a pena sacrificar mais uma vez o nosso povo para que tudo permaneça na mesma.

Miguel Salgueiro Meira

Publicado parcialmente na edição de 12 de Junho de 2011 do jornal "PÚBLICO", pag. 34.

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