Contos Novos, Rumos velhos.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

 


Paulo Rangel não é um daqueles rapazes do PSD que, nunca tendo feito nada na vida, fizeram carreira no partido e dele dependem para levar a vidinha.
Rangel fez-se homem como professor universitário e é dotado de uma grande inteligência, cultura, capacidade de trabalho e de comunicação.
Aguiar Branco, enquanto Ministro da Justiça, chamou-o para seu Secretário de Estado, durante o governo de Santana Lopes.
Como, de facto, é uma pessoa com qualidades, Paulo Rangel cedo se distinguiu dentro do PSD pela clareza das suas ideias e pela forma como as expõe.
Em pouco tempo liderava a bancada parlamentar do seu partido.
E como Portugal - já alguém o disse - é um país em que se cortam as árvores porque fazem sombra aos arbustos, o sucesso de Rangel começou a incomodar alguns dentro do seu próprio partido.
Pouco confiantes nas capacidades eleitorais do PSD, alguém se lembrou de “queimar” Rangel mandando-o para o “degredo” da Europa, pensando que lá longe ele não se faria notar.
Mas Rangel mais uma vez surpreendeu: ganhou as eleições europeias.
Desse modo, aqueles que procuraram enfeitiçá-lo acabaram por cair no próprio feitiço: a vitória nas europeias deu a Rangel um capital político que outros não tinham e que o coloca numa posição confortável relativamente aos demais candidatos.
As legislativas foram para o PSD o desaire que se viu.
Colado a Ferreira Leite durante toda a campanha eleitoral, Aguiar Branco - esperto como é - apressou-se, após a derrota, a candidatar-se à liderança da bancada parlamentar, bem sabendo que era o único poleiro que lhe poderia garantir uma voz activa no partido mantendo a sua visibilidade.
Rangel, já na Europa, negou ser candidato à liderança do PSD.
Palavra de político, como se acaba de ver.
Quando Aguiar Branco contava espingardas, eis que Paulo Rangel quebra a palavra e, adiantando-se àquele, se candidata à liderança do partido.
Foi ver Aguiar Branco aparecer de sorriso amarelo em frente às câmaras da televisão, dizendo que só falaria na sexta-feira seguinte porque cumpre sempre o que diz.
Só não percebeu a indirecta quem não quis.
Aguiar Branco sentiu-se atraiçoado por Rangel a quem trouxe para a notoriedade, quando o convidou para seu Secretário de Estado.
Os políticos, infelizmente, já nos habituaram a isto. Fenómenos como o tacticismo político, a reserva mental, as traições são instrumentos normais dentro da luta política.
O que se estranha é que eles próprios ainda se surpreendam com isso.
Por mais floreado que possa ser o seu discurso, todos nós sabemos o que os move e o que deles podemos esperar.
Invertendo o título do álbum de Zeca Afonso dizemos: “Contos novos, rumos velhos”.


Miguel Salgueiro Meira


Publicado integralmente na edição de 17 de Fevereiro de 2010 do jornal "Público", pag. 30.
Publicado parcialmente na edição de 14 de Fevereiro de 2010, do jornal "Diário de Notícias"

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