Reconhecimento do genocídio arménio: entre a legalidade e a geopolítica.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

 

A 4 de Março de 2010, a Comissão de Negócios Estrangeiros da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou uma resolução que qualificou como genocídio o extermínio de um milhão e meio de arménios durante a I Guerra Mundial.
Na altura, Hillary Clinton apressou-se a afirmar que o Governo Norte-Americano se opunha àquela resolução e tudo faria para impedir a sua aprovação no Senado.
A verdade é que, na passada terça-feira, a sessão plenária do Congresso Norte Americano deixou de fora da sua agenda a Resolução sobre o Reconhecimento do Genocídio Arménio (HR 252).
O que pode levar os Estados Unidos a negar-se a reconhecer, passados quase 100 anos, aquele que é considerado o primeiro genocídio do sec. XX?
Em 24 de Abril de 1915, uma ordem do Ministério do Interior do Governo dos chamados jovens turcos, aproveitando o contexto da I Guerra Mundial, deu inicio a uma política de extermínio da população arménia, por motivos nacionais e religiosos.
Para além de prisões e execuções sumárias, o extermínio dos arménios foi desenvolvido através da sujeição intencional destes a um conjunto de medidas e condições de vida desumanas destinadas a provocar a sua eliminação física, nomeadamente a sujeição a um plano de deportação em que a população arménia foi dizimada durante o percurso pela doença (tifo), pelo esgotamento e pelas privações, nomeadamente pelo racionamento de alimentos e água. Os sobreviventes que conseguiam chegar ao fim do percurso foram depois distribuídos por campos de concentração, onde, já doentes, sem cuidados médicos nem provisões, acabaram por morrer “naturalmente”.
A gravidade desses massacres foi tão grande que, a 28 de Maio de 1915 os governos da França, Grã-Bretanha e Rússia fizeram uma declaração conjunta onde se referiam aos mesmos como crimes contra a humanidade e a civilização.
Finda a guerra, foi assinado o tratado de Paz entre a Turquia e os Aliados – Tratado de Sèvres – que previa o julgamento dos responsáveis pelo massacre dos arménios.
No entanto, aquele tratado nunca foi ratificado pela Turquia, sendo posteriormente substituído pelo Tratado de Laussane (1923), que amnistiaria aqueles crimes.
Desse modo, os responsáveis turcos pelos massacres dos arménios nunca cumpriram qualquer pena pelo cometimento daqueles crimes.
O genocídio só foi reconhecido como um crime de direito internacional em 11 de Dezembro de 1946, através de uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas.
E só em 9 de Dezembro de 1948 foi aprovada a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.
À luz dessa convenção, e entre outros actos, é considerado genocídio a pratica de homicídios ou a submissão deliberada de um grupo a condições de existência que acarretem a sua destruição física quando tal for executado com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
Pelo que é evidente a qualificação como genocídio de massacres como os praticados pelos Turcos contra os arménios durante a I Guerra Mundial.
NO entanto, apesar de a Turquia ter assinado essa convenção, ela nunca reconheceu o genocídio arménio.
O argumento central é o de que inexistindo o crime de genocídio à data em que foram praticados os factos, não podem ser consideradas como tal as condutas criminosas perpetuadas pelo governo dos jovens turcos, por manifesta violação do princípio nulum crimen sine lege.
Certo é que, em Outubro de 1963, a Comissão dos Direitos do Homem da ONU reconheceu o genocídio arménio como o “primeiro genocídio do século”.
Em 18 de Junho de 1987 foi a vez de o Parlamento Europeu o reconhecer.
Países como a França ou o Canadá reconheceram já o genocídio arménio.
Era bom que o Congresso dos Estados Unidos da América se juntasse finalmente a esse reconhecimento mundial.
No entanto, o governo turco advertiu o Presidente Barack Obama de que a aprovação de uma resolução no Congresso que reconheça o massacre dos arménios na I Guerra Mundial como “genocídio” poderá prejudicar seriamente as relações entre a Turquia e os Estados Unidos.
O Congresso Norte Americano acaba de deixar de fora da sua agenda a discussão e aprovação daquela resolução.
Os interesses geoestratégicos dos Estados Unidos da América sobrepõem-se, assim, mais uma vez, ao reconhecimento dos direitos humanos.
E Barack Obama tem cada vez mais dificuldade em justificar o Prémio Nobel que lhe foi atribuído a crédito.



Miguel Salgueiro Meira

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